por Lo-Chi
Se há acasos agradáveis, o que é raro, em nós, dois acontecimentos ao
acaso, marcaram a nossa relação.
O primeiro foi o facto de ter-te visto, e numa visão
fugaz, me teres enchido as medidas e, na emoção em ebulição, não ter sido capaz
de conter um comentário inadvertido: vi
aquela miúda está uma bomba! Quase literalmente, foi esta a minha afirmação
que se quis ingénua, sem intenção, e apenas no jeito de uma interjeição.
O segundo não menos raro – pelos riscos que isso
comporta – alguém que ouviu a exclamação, talvez pelo vigor da mensagem, haver
levado, sem pedido, nem consentimento, a imagem do retrato. E talvez um
terceiro acaso, o vigor da mensagem haver tocado a pessoa retratada, e nesse
caso, a destinatária por acidente.
Dentro da ignorância do facto de haverem levado a
mensagem, me vi; diversas vezes, no terreno escorregadio e perigoso, quando
incauto e talvez sem forças para poder vencer a tentação; contemplando-te com
um olhar carregado dum embevecimento comovido. Não poucas vezes o olhar passou
as fronteiras dum ingénuo olhar e descambou na ânsia evidente de um anelo
desesperado.
Era assim, desse jeito, que algumas vezes os nossos olhares
se cruzavam – o meu cheio de expressão contida, mas quase incontrolável, e o
teu que eu via como que decifrando a mensagem e dando simultaneamente uma dose
de alento e esperança – e eu morria na ânsia. Na ânsia de te abraçar, na ânsia
de dizer coisas bonitas. Não só, mas também morria na miscelânea de outras
ânsias inconfessáveis. Perdido fiquei, louco, me achei quando atónito pude
divisar, na contraluz, o entremeio das tuas coxas, dado a ver por um vestido
duma transparência dadivosa, de tal jeito que o meu olhar clandestino e furtivo
pode ver a cor das cuecas que cobria a tua nudez: cor-de-rosa! Disse para mim; que escultura de mulher. E nesse
instante como um astro do sistema solar, entrei em órbita e perdi-me nas
galáxias do universo cor-de-rosa.
Quando subitamente e tão fora do clássico nos
envolvemos, senti que nunca uma
expectativa, em mim, tão grande, ficou tão aquém do real. Tu real muitas vezes
melhor do que te imaginei, ou imaginei que vi nos olhares furtivos. O teu corpo
de gazela, os teus beijos, a tua ânsia, a tua fúria, o teu suspiro, o teu doce
e até envergonhado jeito de acariciar. A tua forma aberta de te entregares. A
tua forma desinibida de falares do passado. O teu jeito subtil de ser e fazer,
pôs-me agradavelmente rendido aos teus encantos.
in "Cartas Intimas"
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