por Lo-Chi
Esta
semana foi para mim particularmente comovente, posto que foi rica em gratos
encontros com pessoas de quem nutro simpatia. Se com uns convivemos recordando
o antanho, com outros, tendo mais tempo disponível, foi possível proporcionar
encontros maravilhosos com outros companheiros que já não se viam, fazia um bom
par de anos. Interessante duplamente foi levá-los aos nossos locais referências
da infância e juventude, rever os sabores e odores tão distantes quanto
próximos; voltar às origens.
Fomos à
Nicoadala tramitar documentos bem como visitar um amigo com um projecto
promissor na sua fase de crescimento e expansão. E como bons amigos que somos,
para além da conversa, com temas de actualidade, enriquecemo-la com os assuntos
do antigamente, desde o basquete à escola técnica, das nossas bifurcações de
destino e o que coube a cada um, sempre pintalgados com a nostalgia dos
momentos comuns, vistos já com olhos de saudade que tira a objectividade dos fenómenos,
alterados pela mudança radical na passagem de factos para contos, e como o ditado determina, pontos a mais e a menos
aconteceram: como diria a minha avó, compreensíveis exageros de circunstância.
Fomos à
Namacata comer aquela galinha
verdadeiramente a cafreal, sentir a brisa filtrada pelas mangueiras, ver os êrrúndulos
– rolas – rulhando nos fios de energia, e nos seus vôos acrobáticos seduzindo
as fêmeas, ou os nandindis manietados e
impotentes a verem as suas mutipas descaradamente roubadas pelo prepotente
jôghorrô.
![]() |
Os êrrúndulos em tarde romântica |
Visitamos
aquelas baixas de arrozais outrora dos nossos avoengos. Hoje, ou abandonadas e
usurpadas, ou na fase de recuperação para outros fôlegos e projectos, onde
cruzamos com céleres e indomáveis perdizes. Foram sete horas de um intenso
domingo, onde a conversa jorrava as catadupas, quase sempre atropelavamo-nos, numa ânsia pueril. Só de la
saídos, quando literalmente expulsos por um sujeito inoportuno: o mosquito do
início da noite.
![]() |
Alvaro Ó da Silva(Varito) e Amilcar de Melo (Chilo) |
Fomos ao
Kansa rever; ajudados pelo local; as nossas futeboladas, os nossos primeiros
tudo, as histórias dos nossos velhotes, as intrigas, as nossas traquinices.
Vimos o local onde comprávamos as argolas do velho Lázaro, os canudos da dona
Mery; imaginamos a mangueira onde o velho Paulo nos cortava o cabelo,
brindando-nos ora fofocas ora histórias rocambolescas; recordamos o insólito
Katulinho Umaboleia, sapateiro, que com sua própria adaga, numa posição
incorrecta de corte de borracha de pneu, acabou fazendo um lanho em próprio
abdómen; visualizamos as lojas do Machiel e do Manuel, com o seu desenho
relativamente alterado; falamos das nossas farras. Mas o momento auge foi o
encontro com a Belinha Marques, refeita das agruras da vida, que nos presenteou
uma tarde cheia de acepipes; o pende assado, com chatinye de mumbakwo, camarão
com nhatandho, água e sal de sarhabuanha e sôlôlo, caranguejo cozido, e
finalmente o famoso tôdhwé, acompanhado com um maravilhoso achar de limão,
tendo como base um bom “três tempos”- murrada de mandioca**. E como não somos
chauvinistas, chamamos a mesa para nos acompanhar um bom vinho tinto, cuja
marca: A Cepa Alentejana. Saímos de lá com o volume e o tom das vozes
manifestamente alterados. E lampeiros, regressamos às nossas casas, hoje na
cidade, numa conversa no estilo do antigamente, mais aos berros do que falando,
contando anedotas, com especial destaque para aquela do milhafre, da autoria da
Mercy Lázaro, contada numa mistura de mais de três idiomas, inglês, mal falado
claro, português, chuabo e sena, bem no jeito daqueles meninos de bairro da
preferia que fomos.
E quando
a casa chegado, fui impelido ao meu caderno arquivado na prateleira das
desilusões dos sonhos não conseguidos, onde no meu desiderato de poeta que se
queria, na sua ingenuidade, fez aquele pretenso poema incipiente e li.- e tem
piada que me comoveu: Quero voltar a ser criança/esperar com ansiedade a época de
manga/improvisar o que mastigar/quando com fome estiver.//Quero voltar a ser
aquele menino,/calções chapados, joelhos negros e calejados/inventar
brincadeiras nas horas de tédio/e fugir as mandanças da mamã.//Quero ser aquele
despreocupado ocupado//comer e querer sair para as brincadeiras/sem pensar em
fazer a sesta.//Quero ser aquele que fugia/apesar de sujo, daquele banho
obrigatório/e dormia num só sono/quando o sol assim fazia.
![]() |
Amilcar Gil de Melo-bairro Kansa |
**alguns pratos tradicionais da cidade de Quelimane.
Sem comentários:
Enviar um comentário