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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quelimane no coração -Comoventes reencontros de chuabos*


por Lo-Chi

Esta semana foi para mim particularmente comovente, posto que foi rica em gratos encontros com pessoas de quem nutro simpatia. Se com uns convivemos recordando o antanho, com outros, tendo mais tempo disponível, foi possível proporcionar encontros maravilhosos com outros companheiros que já não se viam, fazia um bom par de anos. Interessante duplamente foi levá-los aos nossos locais referências da infância e juventude, rever os sabores e odores tão distantes quanto próximos; voltar às origens.  
 
Amilcar de Melo e Eduarto White
Fomos à Nicoadala tramitar documentos bem como visitar um amigo com um projecto promissor na sua fase de crescimento e expansão. E como bons amigos que somos, para além da conversa, com temas de actualidade, enriquecemo-la com os assuntos do antigamente, desde o basquete à escola técnica, das nossas bifurcações de destino e o que coube a cada um, sempre pintalgados com a nostalgia dos momentos comuns, vistos já com olhos de saudade que tira a objectividade dos fenómenos, alterados pela mudança radical na passagem de factos para contos, e como o  ditado determina, pontos a mais e a menos aconteceram: como diria a minha avó, compreensíveis exageros de circunstância.
 
Banqueiro, Gito Jona, Beto Palha
Fomos à Namacata  comer aquela galinha verdadeiramente a cafreal, sentir a brisa filtrada pelas mangueiras, ver os êrrúndulos – rolas – rulhando nos fios de energia, e nos seus vôos acrobáticos seduzindo as fêmeas, ou os nandindis  manietados e impotentes a verem as suas mutipas descaradamente roubadas pelo prepotente jôghorrô.
  Os êrrúndulos em tarde romântica

Visitamos aquelas baixas de arrozais outrora dos nossos avoengos. Hoje, ou abandonadas e usurpadas, ou na fase de recuperação para outros fôlegos e projectos, onde cruzamos com céleres e indomáveis perdizes. Foram sete horas de um intenso domingo, onde a conversa jorrava as catadupas, quase sempre  atropelavamo-nos, numa ânsia pueril. Só de la saídos, quando literalmente expulsos por um sujeito inoportuno: o mosquito do início da noite.

Alvaro Ó da Silva(Varito) e Amilcar de Melo (Chilo)
Fomos ao Kansa rever; ajudados pelo local; as nossas futeboladas, os nossos primeiros tudo, as histórias dos nossos velhotes, as intrigas, as nossas traquinices. Vimos o local onde comprávamos as argolas do velho Lázaro, os canudos da dona Mery; imaginamos a mangueira onde o velho Paulo nos cortava o cabelo, brindando-nos ora fofocas ora histórias rocambolescas; recordamos o insólito Katulinho Umaboleia, sapateiro, que com sua própria adaga, numa posição incorrecta de corte de borracha de pneu, acabou fazendo um lanho em próprio abdómen; visualizamos as lojas do Machiel e do Manuel, com o seu desenho relativamente alterado; falamos das nossas farras. Mas o momento auge foi o encontro com a Belinha Marques, refeita das agruras da vida, que nos presenteou uma tarde cheia de acepipes; o pende assado, com chatinye de mumbakwo, camarão com nhatandho, água e sal de sarhabuanha e sôlôlo, caranguejo cozido, e finalmente o famoso tôdhwé, acompanhado com um maravilhoso achar de limão, tendo como base um bom “três tempos”- murrada de mandioca**. E como não somos chauvinistas, chamamos a mesa para nos acompanhar um bom vinho tinto, cuja marca: A Cepa Alentejana. Saímos de lá com o volume e o tom das vozes manifestamente alterados. E lampeiros, regressamos às nossas casas, hoje na cidade, numa conversa no estilo do antigamente, mais aos berros do que falando, contando anedotas, com especial destaque para aquela do milhafre, da autoria da Mercy Lázaro, contada numa mistura de mais de três idiomas, inglês, mal falado claro, português, chuabo e sena, bem no jeito daqueles meninos de bairro da preferia que fomos.
 
Beto Palha, Tótó Barros, Chilo, Belinha Marques-Bairro Kansa

E quando a casa chegado, fui impelido ao meu caderno arquivado na prateleira das desilusões dos sonhos não conseguidos, onde no meu desiderato de poeta que se queria, na sua ingenuidade, fez aquele pretenso poema incipiente e li.- e tem piada que me comoveu: Quero voltar a ser criança/esperar com ansiedade a época de manga/improvisar o que mastigar/quando com fome estiver.//Quero voltar a ser aquele menino,/calções chapados, joelhos negros e calejados/inventar brincadeiras nas horas de tédio/e fugir as mandanças da mamã.//Quero ser aquele despreocupado ocupado//comer e querer sair para as brincadeiras/sem pensar em fazer a sesta.//Quero ser aquele que fugia/apesar de sujo, daquele banho obrigatório/e dormia num só sono/quando o sol assim fazia.
 Amilcar Gil de Melo-bairro Kansa
* chuabos- naturais da cidade de Quelimane, Provincia da Zambezia- Mozambique
**alguns  pratos tradicionais da cidade de Quelimane.

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