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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Filosofia avulsa




                                                                                  
                                                                                
Nas estradas de Moçambique não apenas correm os carros, como escorrem pensares, registados nos veículos, os chapas e os camiões sobretudo, que estampam nos seus vidros para-brisas ou nos para-choques, frases que nos conduzem à pensamentos, filosofias e experiências  de vida.

Por incrível que pareça, quantas dessas frases não me fizeram meditar, tanto quanto outras levaram-me ao recesso da minha consciência, outras ainda à amigos vivos e falecidos, recordando momentos. As mais inspiradas e filosóficas impuseram-me uma meditação sobre a vida. Por exemplo, “Andar é maningue arriscado” e “Quem anda no atalho, não tem medo”, frases que me puseram procurando a profundidade da mensagem, as quais, à partida podem parecer absurdas e descabidas, mas plenas de verdade. Outro exemplo, estas duas “A tua inveja é alavanca do meu sucesso” e a similaríssima, “Sua inveja faz a minha fama”, fizeram-me encontrar nos enunciadores, uma forma pragmática de encarar aquilo que muita gente veria como um empecilho, o invejoso, e talvez perdendo tempo e paciência com quem não deviamos, porém o filósofo tornando-o factor de estímulo. Mas, determinismo e simultaneamente de uma verdade demasiadamente crua, diria até cínica, encontrei nesta frase mordaz ”Pobre não zanga” e percebendo na frase, uma elisão ou mudança intencional do modo de conjugação verbal, e olhando ao redor, para os homens, bem como para as nações, concluo que, no fundo, bem no fundo, aí está uma verdade dura, mas incontestável. Outra, não menos cínica, com um conteudo, por um lado prático, mas por outro desviante, foi esta sentença maquiavélica, que vi no para-brisa de um camião de longo curso “Quem não engana é enganado” tendo o mesmo me levado, para o princípio de um falecido amigo, que me dizia repetidamente, “Quem não aldraba está morto”. Também encontrei frases sem o cinismo pragmático, que a vida muitas vezes nos dá por lição, e nesse,  frases bem no jeito dos que estão alinhadas com ensinamentos bíblicos, como por exemplo” O senhor é o meu guia” “Viver sem amigos é morrer sem testemunhas” e outra, encorajadora para os momentos “downs”, dando alento, para encararmos os momentos menos bons da vida, muito na linha de, depois da tempestade vem a bonança, expressa de uma forma mais trabalhada e diz, “Os bons e maus momentos tem o seu tempo de glória”. Outras, com sentido angélico da vida, determina, “Uma verdade é uma virtude, que nem nascimento de uma criança”. Contudo, um desses dias, dei de caras com esta simples, lacónica, mas cheia do nosso processo histórico, retratando cruamente a nossa passada realidade, e li, “Se não fosse eu”. E no mesmo clique, apareceu-me na mente a cor verde, e fiquei com narina inundada com odor a repolho. Encontrei num vidro, bem orgulhoso, não sei se da máquina, ou das habilidades do motorista, este desafiante pronunciado, com tom a fanfarronice, que me levou a querer ser, naquela hora, policia de trânsito, para lhe dar um xeque mate merecido. Dizia o palavreado “ I don’t drive fast, I fly low”( não conduzo com velocidade, voo baixinho). Para além dessa vontade de ser policia, recordou-me aquela espécie de publicidade infeliz, de uma empresa de transportes, que acabou minguando e desaparecendo, muito por culpa dessa filosofia, expressa nos seus autocarros, que dizia qualquer coisa como, voe connosco na terra, e os acidentes foram acontecendo e levaram-na para os céus da falência. Compensando todos esses desensinamentos de apologia a velocidade excessiva, vi estampado num carro uma frase em lomowé, de uma verdade e pragmatismo pedagógico, cujo conhecimento carece divulgação para os tempos que correm, e a mesma rezava, “Mahala whipha” à letra significa, (o que é de graça mata), porém, sendo um ditado ou provérbio, tem um significado profundo, com possíveis interpretações, que tem muito que ver com o esforço e a valorização, ou a fraude e o resultado, tardio ou imediato, mas infalivelmente nefasto. Bem vistas as coisas, temos nas nossas estradas autênticos compêndios de filosofia de vida. Para finalizar os meus registos, termino com esta bem criativa, que estava estampada no vidro de trás de um chapa, o qual só noto após uns largos minutos de ter estado atrás dele e quando leio, sou coagido mentalmente a ultrapassá-lo: “Não me persiga, que eu também estou perdido”. Coisas de estrada.

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