Nas estradas de Moçambique não apenas correm os carros,
como escorrem pensares, registados nos veículos, os chapas e os camiões
sobretudo, que estampam nos seus vidros para-brisas ou nos para-choques, frases
que nos conduzem à pensamentos, filosofias e experiências de vida.
Por incrível que pareça, quantas dessas frases não me
fizeram meditar, tanto quanto outras levaram-me ao recesso da minha
consciência, outras ainda à amigos vivos e falecidos, recordando momentos. As
mais inspiradas e filosóficas impuseram-me uma meditação sobre a vida. Por
exemplo, “Andar é maningue arriscado”
e “Quem anda no atalho, não tem medo”,
frases que me puseram procurando a profundidade da mensagem, as quais, à
partida podem parecer absurdas e descabidas, mas plenas de verdade. Outro
exemplo, estas duas “A tua inveja é
alavanca do meu sucesso” e a similaríssima, “Sua inveja faz a minha fama”, fizeram-me encontrar nos
enunciadores, uma forma pragmática de encarar aquilo que muita gente veria como
um empecilho, o invejoso, e talvez perdendo tempo e paciência com quem não
deviamos, porém o filósofo tornando-o factor de estímulo. Mas, determinismo e
simultaneamente de uma verdade demasiadamente crua, diria até cínica, encontrei
nesta frase mordaz ”Pobre não zanga”
e percebendo na frase, uma elisão ou mudança intencional do modo de conjugação
verbal, e olhando ao redor, para os homens, bem como para as nações, concluo
que, no fundo, bem no fundo, aí está uma verdade dura, mas incontestável.
Outra, não menos cínica, com um conteudo, por um lado prático, mas por outro
desviante, foi esta sentença maquiavélica, que vi no para-brisa de um camião de
longo curso “Quem não engana é enganado”
tendo o mesmo me levado, para o princípio de um falecido amigo, que me dizia
repetidamente, “Quem não aldraba está
morto”. Também encontrei frases sem o cinismo pragmático, que a vida muitas
vezes nos dá por lição, e nesse, frases
bem no jeito dos que estão alinhadas com ensinamentos bíblicos, como por
exemplo” O senhor é o meu guia” “Viver sem amigos é morrer sem testemunhas”
e outra, encorajadora para os momentos “downs”, dando alento, para encararmos
os momentos menos bons da vida, muito na linha de, depois da tempestade vem a
bonança, expressa de uma forma mais trabalhada e diz, “Os bons e maus momentos tem o seu tempo de glória”. Outras, com
sentido angélico da vida, determina, “Uma
verdade é uma virtude, que nem nascimento de uma criança”. Contudo, um
desses dias, dei de caras com esta simples, lacónica, mas cheia do nosso
processo histórico, retratando cruamente a nossa passada realidade, e li, “Se não fosse eu”. E no mesmo clique,
apareceu-me na mente a cor verde, e fiquei com narina inundada com odor a
repolho. Encontrei num vidro, bem orgulhoso, não sei se da máquina, ou das
habilidades do motorista, este desafiante pronunciado, com tom a fanfarronice,
que me levou a querer ser, naquela hora, policia de trânsito, para lhe dar um
xeque mate merecido. Dizia o palavreado “ I
don’t drive fast, I fly low”( não conduzo com velocidade, voo baixinho).
Para além dessa vontade de ser policia, recordou-me aquela espécie de
publicidade infeliz, de uma empresa de transportes, que acabou minguando e
desaparecendo, muito por culpa dessa filosofia, expressa nos seus autocarros,
que dizia qualquer coisa como, voe connosco na terra, e os acidentes foram acontecendo e levaram-na para os
céus da falência. Compensando todos esses desensinamentos de apologia a
velocidade excessiva, vi estampado num carro uma frase em lomowé, de uma
verdade e pragmatismo pedagógico, cujo conhecimento carece divulgação para os
tempos que correm, e a mesma rezava, “Mahala
whipha” à letra significa, (o que é de graça mata), porém, sendo um ditado
ou provérbio, tem um significado profundo, com possíveis interpretações, que
tem muito que ver com o esforço e a valorização, ou a fraude e o resultado,
tardio ou imediato, mas infalivelmente nefasto. Bem vistas as coisas, temos nas
nossas estradas autênticos compêndios de filosofia de vida. Para finalizar os
meus registos, termino com esta bem criativa, que estava estampada no vidro de
trás de um chapa, o qual só noto após uns largos minutos de ter estado atrás
dele e quando leio, sou coagido mentalmente a ultrapassá-lo: “Não me persiga, que eu também estou perdido”.
Coisas de estrada.
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