por Lo-Chi
O Muaqueliua, um sujeito de estatura
média a tender para o baixinho, tez adornada de jambalau, introspectivo, pouco
metido a socialização e a brincadeiras do nosso tempo juvenil, arisco, parco em
palavras. Foi meu colega de turma, na Escola Técnica, no curso comercial.
Comigo convivia, quase no limite da tolerância, quando, fortuitamente, eu
metia-me com ele, e era aí, que no seu sotaque de lomwé da alta Zambézia, me
dizia quase a repreender, Não sei como aduras esses waides?, com um ódio mesclado com fel. Mas no fundo, era um
sujeito bom, fora esse radicalismo, talvez determinado pela sua origem, marcada
de sofrimento e carestia. Inteligente e aplicado nos seus deveres, e não poucas
vezes voluntário para esclarecer dúvidas à turma, principalmente de Matemática
e Calculo Económico, duas disciplinas, que eram o seu forte.
Depois de um longuíssimo período de
separação, no qual jamais tivera notícias, eis que afortunadamente, num acaso, aparece-me
o Muaqueliua, e como é comum nesses acasos, foi uma festa e tantos. Mas logo à
seguir a efusividade, antes mesmo de recordarmos os factos antigos e de
perguntarmos pelos colegas comuns, ele atira-me com a pergunta de chofre, És político?, com a maior das
naturalidades, disse-lhe, que o que mais gostava, era estar distante desse
departamento, porque não nascera talhado para essas coisas. Ele mais não disse
sobre a questão; nem bem nem mal. Daí saiu o rolo de recordações, desfiadas com
aquela característica comum, de rever o passado, com dados verdadeiros, outros
ficcionados, coisas que o tempo acaba criando e modelando na memória. Depois
disso, fomos falando do presente, onde acabou informando que havia chegado para
ficar, transferido, e com intenção de por aqui se radicar. Trocamos números de
celulares, endereço das casas, com uma data marcada, para a primeira refeição
de confraternização. Noto no final do encontro, que ele se havia libertado do
sotaque característico do lomwé.
Desse dia em diante, passamos a
encontrar-nos com muita frequência, adaptada a nova circunstância de indivíduos
com família. Porém, uma singularidade marcou os nossos convívios, posto que eu
tinha outros amigos, que de quando em vez, nos encontravam, e eu fazia por
apresentá-los. Quando adivinhava isso, a primeira coisa que me perguntava, era,
Esse teu amigo é político?, e consoante a resposta, ele tinha um
comportamento, diferente. Se a resposta era negativa, ele era um homem afável,
conversador, se positiva ou se na dúvida, ele tornava-se esquivo, arredio, fazia
por não dar o nome, ou se fosse obrigado, mentia ostensivamente, até pensei,
que sequelas daquele radicalismo dos tempos de escola que persistia nele. Acredito
que, para evitar equívocos, acabou abrindo o jogo e disse-me de caras, Meu, dos teus brothers, os que forem políticos, por favor, não me apresentes, ou
avisa-me com antecedência, que retiro-me da área, até que o terreno fique limpo.
A partir desse momento, percebi claramente, que ele tinha uma profunda alergia
aos políticos, e encontrei a lógica daquela sua pergunta, à queima-roupa, no
primeiro dia do nosso reencontro. Em face disso, começamos uma discussão em
torno do exagero, de um posicionamento completamente radicalizado, onde eu
tentava demonstrá-lo, que os políticos maus eram, porque eram más pessoas, bem
como havia indivíduos não metidos na politica e/ou em partidos, que eram
pessoas péssimas. Ele, peremptório, rematou-me, como contra-argumentação,
dizendo-me, Meu não estou a falar de excepções,
mas de regras, ainda tentei contrapor, E
como é que ficam as expções injustiçadas, achas que todos têm que pagar por
alguns?, e ele veemente, Excepções
são excepções como a própria palavra define, e eu neste caso de políticos, sigo
escrupulosamente a regra, respirou um pouco olhou-me bem nos olhos e
continuou, é tão fácil um miúdo de boas
famílias, bem educado, estragar-se, metendo-se na política, quão difícil é encontrares
um político honesto, coçou a nuca e continuou, o politico é mau, é aldrabão, é pernicioso, é contagioso, falava
com um quê de raiva e ódio. Aproveitei
a deixa, para recordar a máxima dos anos 75, no nosso tempo de escola e
rematei-lhe, Todo mundo é político,
porque mesmo quando dizes que és apolítico, estás a ser político. Ele muito
rápida e causticamente, com um azedume de arrepiar, Mano isso é papo de político, que sabe que está na lama, e como não
gosta de estar sozinho, tenta arrastar todo mundo, com essa filosofia de meia
tigela. A discussão ficou por aí, continuamos, em outros assuntos, porém
eu, internamente, estabelecendo um paralelismo, do radicalismo dele em relação
aos colegas de raça branca, daquele então, e o seu ódio visceral aos políticos.
Passaram-se alguns anos, e fora do que ele havia previsto, foi de novo
transferido para uma outra cidade, e continuamos com o nosso contacto, trocando
mensagens e alguns telefonemas, em datas ou assuntos, que assim requeriam.
Estava tudo soterrado no tempo, quando se dá o caso da detenção, na África do
Sul, do nosso ex-ministro das finanças e a suspeição envolta de grandes figuras
no mesmo caso. É então, que fora das minhas contas, recebo, o telefona do meu
amigo, sem cumprimentos sem nada, Alô,
digo eu, Estás ver os políticos, qual
deles é que tinhas na excepção? Esses não valem o dejecto que defecam, regista!,
disse seco; e eu apanhado de supetão, autómato, retorqui, Exaltemos a pátria**, falei sem saber o que significava: se lhe
estava pedir compreensão, se a mandá-lo à m.r.da, ou aos políticos!
** a frase da moda nos dias recentes em Moçambique, após
as cerimonias de 3 de Fevereiro, dia dos heróis. Expressão que quer dizer tudo
e nada, que serve essencialmente, quando a pergunta te toca, e tentas esquivar.
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