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sábado, 26 de janeiro de 2019

O embaraço em que nos deixa os absurdos do nosso organismo


Por: Lo-Chi



Há vezes em que, um ou outro órgão do nosso corpo entende que deve, por instantes, ficar autónomo do cérebro, órgão por excelência de comando. Fazendo com que gestos involuntários, nos deixem completamente encabulados, em face de flagrantes inoportunos. Uma comichãozita no nariz e lá metemos o dedo indicador, na maior das canduras, numa espécie de estímulo reacção, e de repente, notas que alguém está olhando para ti, assistindo a tua limpeza de salão. Há uma espécie de rubor que atravessa o corpo. Pior ainda se em face de um vizinho impertinente, que maldosamente te questiona: “há baile hoje?”. Outras, tu concentrado, num trabalho que te consome o tempo, sem que deias por ele, e num nada, catrapus, um pum sonoro e desgovernado. Não estás sozinho, no escritório ou na sala de aulas, e todos olhares se convergem em ti. Nem palavras para te desculpares, encontras. Essas e outras. Eu tive uma namorada lindíssima, mas que se sentia terrivelmente incomodada e desventurada, porque, dizia, nos momentos mais imprevisíveis e embaraçantes, os seus intestinos emitiam uns arrulhos (semelhantes aos que acontecem quando estás com fome), e que os mais próximos a ela, ouviam com toda a certeza, não obstante o silêncio cúmplice, afiançava-me. E ela dizia-me isso, como se a maior desgraçada do mundo. Ainda que eu lhe dissesse, que não era motivo para se aborrecer, mas era uma situação que a indispunha sobremaneira.

Todos esses embaraços acabados de citar, que o nosso organismo algumas vezes nos traz, numa espécie de sacanagem, e os quais nos podem aborrecer e/ou criar algum mal-estar momentâneo, meus amigos, não se compara com um, que eu tive, há escassos dias. Imagine você, eu não, que vive na pele; eu na Beira, com intenção expressa de ficar uma semana, hospedo-me em casa de um amigo, o Furquia, casado, com a Adozinda, e com três filhos. Sou atribuído o quarto de hóspedes. No quarto dia, como nos outros, saí eu e o meu amigo, não almoçamos, pelo corre corre em que nos envolvemos, mas jantamos num restaurante. E em termos de beber foi o que normalmente consumimos, não mais que uma garrafa de vinho, e muita água, o que é normalíssimo em nós. Nesse dia para comer, optamos por frutos do mar. Resolvidos os nossos afazeres e encontros, regressamos à casa, com tempo ainda de ele assistir ao final do noticiário. Ainda conversamos um bocadinho e depois despedimo-nos com a promessa de pelas oito acordarmos, como forma de mais tardar as nove horas e trinta minutos, no máximo, estarmos na rua. Importa antes dizer, que sou um indivíduo, que não sonha, ou melhor dizendo, não se recorda dos sonhos que tem. Fui à cama, deitei-me, e por incrível que pareça, nessa noite, sonhei. Um sonho de uma nitidez impressionante, com a convicção de ser realidade. E as páginas tantas, sonhei a urinar. Já está a adivinhar. Pois é meu amigo, eu aos 40 anos a mijar-me (esse é o termo) na cama. Imagina-me, logo após tomar consciência do facto. Eu imaginei mil e uma coisas. Quis-me enterrado vivo ou morto. Quis que aquele vexame, apenas fosse uma ilusão ou sonho. Ensaiei o arrumar a cama para cobrir a vergonha. Mas o homem adulto exigiu de mim a honestidade, evitando essa atitude pusilânime. Chamei, num acto de desespero, o meu amigo, que veio e mostrei os sinais do crime. Primeiro sem entender, depois caindo na real, parte numa gargalhada, que à medida que soava, me fazia o homem mais desgraçado do mundo. Depois, vendo o meu ar constrangido, conteve o riso, olhou para mim e disse com ar de quem entendia a situação, e eu buscando arrimo nesse pronunciamento, Não te preocupes, que isso pode acontecer a qualquer criança. Sacana do gajo!, disse cá para mim, com uma vontade de o esganar. Fiz a minha mais longa higiene matinal, protelando o mais que pude, o momento de encontrar-me com a dona de casa, até que o meu amigo me chamou à realidade, posto que o nosso tempo já se esvaía.Sem remédio, fui ao encontro do vexame que era, encontrar-me com a esposa. Cabisbaixo, feito num oito, só pude titubear um pedido de desculpa, mal formulado, que a senhora de casa perguntou, Porquê?, tentando amenizar o ambiente, mas no fundo, só piorou, porque o brigou-me a especificar as razões.  Em dias não, tudo corre contra ti. Até as coisas boas. Imagina que diferentemente dos outros dias, todos os assuntos foram resolvidos a uma velocidade meteórica, de tal jeito, que ficamos com tempo mais do que suficiente, para almoçarmos em casa. E eu tentando convencer o Furquia, de que almoçássemos na rua, e ele peremptório decidiu, que o almoço seria em casa. Eu autómato, mais abúlico que resignado, nem contrapus. Chegados à casa, os cumprimentos da praxe, e quando vou ao quarto…as provas do crime, reavivando-me a desdita: a cama sem colchão, e quando vou à janela, o colchão secando ao sol. Foi bastante e suficiente, para que fora das previsões, logo depois do almoço eu anunciasse a minha partida, de regresso à minha cidade. Logo eu que sempre brinquei com os meus desaires. Todo mundo estupefacto, tentando demover-me da repentina decisão. Eu, estóico, mantive, sem apelo nem agravo. Meia hora depois, estava eu, na bomba, abastecendo o carro, já de regresso, ruminando esse tremendo absurdo, com a sensação, na altura, de ter ficado traumatizado. Problema maior não é o passado, é o futuro. Tenho imperativamente que voltar à Beira, dentro de um mês e meio. Vou ao hotel, ou vou hospedar-me a casa do Furquia, como sempre fiz? O princípio de fazer “cada dia um compartimento hermeticamente fechado”, não está a surtir efeito, já estou sofrendo o dilema do futuro. E esse contar-vos, meus senhores, é a forma que encontrei, para tentar expiar ou exorcismar o pecado. Mas por favor, não espalhem por aí! Conto com a vossa discrição.

PS:__
Um grande amigo quando soube da minha desdita, ligou-me. Eu convencido que teria apoio directo dele, mas contra a expectativa ele diz-me: “esse teu caso, se fosse comigo eu tirava de letra. Já o meu embaraço é um problema a serio, Ainda não sei quais os efeitos. Nota tu que a minha boca entendeu, e mal, que deveria abrir eu a dormir. Falei feito um sonâmbulo, pior que tudo é que não sei o que falei. “Pioríssimo”, isso para expressar a minha situação, é que a madame até agora que te falo, não fez nenhum comentário, não esboçou nenhuma reacção, o que significa que vem aí chumbo grosso, e não sei qual o tipo de arma e de que flanco irei ser atacado. Completamente a mercê”

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