Por: Lo-Chi
Há vezes em que, um ou outro órgão do
nosso corpo entende que deve, por instantes, ficar autónomo do cérebro, órgão
por excelência de comando. Fazendo com que gestos involuntários, nos deixem
completamente encabulados, em face de flagrantes inoportunos. Uma comichãozita no
nariz e lá metemos o dedo indicador, na maior das canduras, numa espécie de estímulo
reacção, e de repente, notas que alguém está olhando para ti, assistindo a tua
limpeza de salão. Há uma espécie de rubor que atravessa o corpo. Pior ainda se
em face de um vizinho impertinente, que maldosamente te questiona: “há baile hoje?”. Outras, tu
concentrado, num trabalho que te consome o tempo, sem que deias por ele, e num
nada, catrapus, um pum sonoro e desgovernado. Não estás sozinho, no escritório ou
na sala de aulas, e todos olhares se convergem em ti. Nem palavras para te
desculpares, encontras. Essas e outras. Eu tive uma namorada lindíssima, mas
que se sentia terrivelmente incomodada e desventurada, porque, dizia, nos
momentos mais imprevisíveis e embaraçantes, os seus intestinos emitiam uns
arrulhos (semelhantes aos que acontecem quando estás com fome), e que os mais
próximos a ela, ouviam com toda a certeza, não obstante o silêncio cúmplice, afiançava-me.
E ela dizia-me isso, como se a maior desgraçada do mundo. Ainda que eu lhe
dissesse, que não era motivo para se aborrecer, mas era uma situação que a
indispunha sobremaneira.
Todos esses embaraços acabados de citar,
que o nosso organismo algumas vezes nos traz, numa espécie de sacanagem, e os quais
nos podem aborrecer e/ou criar algum mal-estar momentâneo, meus amigos, não se
compara com um, que eu tive, há escassos dias. Imagine você, eu não, que vive
na pele; eu na Beira, com intenção expressa de ficar uma semana, hospedo-me em
casa de um amigo, o Furquia, casado, com a Adozinda, e com três filhos. Sou
atribuído o quarto de hóspedes. No quarto dia, como nos outros, saí eu e o meu
amigo, não almoçamos, pelo corre corre em que nos envolvemos, mas jantamos num
restaurante. E em termos de beber foi o que normalmente consumimos, não mais
que uma garrafa de vinho, e muita água, o que é normalíssimo em nós. Nesse dia
para comer, optamos por frutos do mar. Resolvidos os nossos afazeres e
encontros, regressamos à casa, com tempo ainda de ele assistir ao final do
noticiário. Ainda conversamos um bocadinho e depois despedimo-nos com a
promessa de pelas oito acordarmos, como forma de mais tardar as nove horas e
trinta minutos, no máximo, estarmos na rua. Importa antes dizer, que sou um
indivíduo, que não sonha, ou melhor dizendo, não se recorda dos sonhos que tem.
Fui à cama, deitei-me, e por incrível que pareça, nessa noite, sonhei. Um sonho
de uma nitidez impressionante, com a convicção de ser realidade. E as páginas
tantas, sonhei a urinar. Já está a adivinhar. Pois é meu amigo, eu aos 40 anos
a mijar-me (esse é o termo) na cama. Imagina-me, logo após tomar consciência do
facto. Eu imaginei mil e uma coisas. Quis-me enterrado vivo ou morto. Quis que
aquele vexame, apenas fosse uma ilusão ou sonho. Ensaiei o arrumar a cama para
cobrir a vergonha. Mas o homem adulto exigiu de mim a honestidade, evitando
essa atitude pusilânime. Chamei, num acto de desespero, o meu amigo, que veio e
mostrei os sinais do crime. Primeiro sem entender, depois caindo na real, parte
numa gargalhada, que à medida que soava, me fazia o homem mais desgraçado do
mundo. Depois, vendo o meu ar constrangido, conteve o riso, olhou para mim e
disse com ar de quem entendia a situação, e eu buscando arrimo nesse
pronunciamento, Não te preocupes, que
isso pode acontecer a qualquer criança. Sacana
do gajo!, disse cá para mim, com uma vontade de o esganar. Fiz a minha mais
longa higiene matinal, protelando o mais que pude, o momento de encontrar-me
com a dona de casa, até que o meu amigo me chamou à realidade, posto que o
nosso tempo já se esvaía.Sem remédio, fui ao encontro do vexame que era,
encontrar-me com a esposa. Cabisbaixo, feito num oito, só pude titubear um
pedido de desculpa, mal formulado, que a senhora de casa perguntou, Porquê?, tentando amenizar o ambiente,
mas no fundo, só piorou, porque o brigou-me a especificar as razões. Em dias não, tudo corre contra ti. Até as
coisas boas. Imagina que diferentemente dos outros dias, todos os assuntos
foram resolvidos a uma velocidade meteórica, de tal jeito, que ficamos com
tempo mais do que suficiente, para almoçarmos em casa. E eu tentando convencer
o Furquia, de que almoçássemos na rua, e ele peremptório decidiu, que o almoço
seria em casa. Eu autómato, mais abúlico que resignado, nem contrapus. Chegados
à casa, os cumprimentos da praxe, e quando vou ao quarto…as provas do crime,
reavivando-me a desdita: a cama sem colchão, e quando vou à janela, o colchão
secando ao sol. Foi bastante e suficiente, para que fora das previsões, logo
depois do almoço eu anunciasse a minha partida, de regresso à minha cidade. Logo
eu que sempre brinquei com os meus desaires. Todo mundo estupefacto, tentando
demover-me da repentina decisão. Eu, estóico, mantive, sem apelo nem agravo.
Meia hora depois, estava eu, na bomba, abastecendo o carro, já de regresso,
ruminando esse tremendo absurdo, com a sensação, na altura, de ter ficado
traumatizado. Problema maior não é o passado, é o futuro. Tenho imperativamente
que voltar à Beira, dentro de um mês e meio. Vou ao hotel, ou vou hospedar-me a
casa do Furquia, como sempre fiz? O princípio de fazer “cada dia um
compartimento hermeticamente fechado”, não está a surtir efeito, já estou
sofrendo o dilema do futuro. E esse contar-vos, meus senhores, é a forma que
encontrei, para tentar expiar ou exorcismar o pecado. Mas por favor, não
espalhem por aí! Conto com a vossa discrição.
PS:__
Um grande amigo quando soube da minha desdita, ligou-me. Eu convencido que
teria apoio directo dele, mas contra a expectativa ele diz-me: “esse teu caso,
se fosse comigo eu tirava de letra. Já o meu embaraço é um problema a serio,
Ainda não sei quais os efeitos. Nota tu que a minha boca entendeu, e mal, que
deveria abrir eu a dormir. Falei feito um sonâmbulo, pior que tudo é que não
sei o que falei. “Pioríssimo”, isso para expressar a minha situação, é que a
madame até agora que te falo, não fez nenhum comentário, não esboçou nenhuma
reacção, o que significa que vem aí chumbo grosso, e não sei qual o tipo de
arma e de que flanco irei ser atacado. Completamente a mercê”
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