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domingo, 17 de fevereiro de 2019

O meu lamento tardio e cúmplice


Por: Lo-Chi



O que fiz do meu país?! Os direitos humanos prevalecem às obrigações humanas. O país que eu fiz, as crianças têm menos prerrogativa de beber um copo de leite comparativamente ao bêbado, cujo álcool, com incentivos fiscais, se dissemina a preço de banana, enquanto que a criança se priva no preço do seu subalimento.

O meu papel de educador, cómoda e indevidamente, outorguei, furtando-me do meu dever fundamental e básico, passando uma procuração de plenos poderes, às instituições cujo papel é complementar, mas mesmo esse, de uma incompetência assustadora. E na vez de mimar, virei permisso, e os valores e os limites, se confundiram com escravidão; e aboli-os. Aboli-os tão levianamente, que na vez de filhos criei monstros. O que fui fazer? A tal instituição a quem outorguei a educação, deseduca. Subcontratou a penitenciária que virou faculdade. Faculdade da malandragem, essa mais produtiva, na quantidade e qualidade. Em vã expectativa, surgiram as privadas, que não só transmutaram tunchagamoyos, como nível básico das penitenciárias. Estou pesaroso do meu país, mas fui eu que o fiz. A cada dia vejo alunos aos magotes, regressando das aulas, na vez de exibirem garbosamente civismo, portam-se à altura dos mais grosseiros arruaceiros, onde em palavrões, vão tendo conversas, que fazem o gáudio dessa manada, pastando e regurgitando mal-criação, tendo de sobremesa as meninas que indiferentes fazem da moléstia galanteio. Os professores esses então, dão-me o desabono de recordar, que algum dia exerci essa profissão.

O que eu fiz do meu país, fi-lo na passividade cómoda e cobarde, onde profissionais competentes, para terem vida decente, tem que se prostituir com a política. Política profícua de  parlamentares aldrabões submissos coniventes, ministros cadongueiros em boladas das mais descaradas. Vendem madeira a preço de lenha, assinam contratos com eles próprios. Projectam actividades com custos dos olhos do povo, saem bestialmente ricos, pedindo investimento, investem  lá fora. O país que eu fiz, desacredita a própria Constituição, onde a agricultura é o motor, mas sem combustível, nem acessórios, constrói pontes desnecessárias, quando o pouco que se produz, engasga-se no campo.

O que fiz do meu país. Um soba supostamente respeitado está envolto numa gravíssima suspeição de falta de pontaria na aplicação dos bens públicos. Altos dignatários do país, na vez de promoverem os empresários feitos, no sucesso do seu honesto esforço, cantam hossanas aos empresários de esquema e do submundo, com histórias por demais contadas e reconhecidas. O país que eu fiz, o ladrão tem mais direitos que o honesto trabalhador. O ministro virou arguido, o juiz é julgado, tribunais supremos não dominam a legislação, o ladrão persegue o polícia, o polícia insegura, a procuradoria umas vezes se esconde outras vezes procura-se, a assembleia deslegisla, o estado deixou de estar, ausente se fez. O país  que eu fiz é um estado de direito, um direito torto, empenado e opressor. Eu sonhei com um Estado de justiça e de amor, um Estado trabalhador e não parasita.

No país que fiz, permiti, que os senhores da guerra, contaminassem a sociedade, a tal ponto, que esta perdeu os valores queridos da nossa tradição moçambicana: solidariedade, respeito, humanismo, trabalho, valorização da mãe natureza. Os jovens adversários políticos, odeiam-se, de adversários alquimizaram-se inimigos, como os seus progenitores. Os senhores subverteram com a sua matriz financeira a tal jeito, que mesmo nos pontos supostamente de reserva moral, se esgotou e tudo se mercantilizou e virou um dumba nengue de tráfego de influência, de crime: infantil, humano. O país que eu fiz, as religiões combatem a tradição e cultura, a nossa essência; trazem o negócio do dízimo, sob o olhar impotente da ignorância de todos nós e dos senhores, adoram o deus que eles criaram, e não creem no Deus que criou o homem.

O país que eu fiz, quer ligar a África, quando ele próprio não se ligou. A estrada nacional numero 1, nunca foi, está sempre adiada. A agricultura que produz no mínimo, o máximo fica no campo, apropriada pelas estradas e pontecas, firmemente intransitáveis. O meu país não se abriu a si mesmo, e quer-se abrir ao mundo. O meu país ao avesso, a estrada para a praia, teve direito a uma mega ponte, inflacionada, e asfalto, para que não se ferissem os 4x4 da gangue. Pior que tudo, o meu país nunca se aceitou, rejeitando uma parte de si, aceita os outros e seus desvalores. Esse é o meu país, o país que eu fiz!


NA: Esse lamento não é meu, é nosso. Eu e tu, que te sentes defraudado. Por outro lado grato, as honrosas excepções, na esperança de que amanhã façam a diferença.


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