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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sessenta anos de um jovem vivido …nas disciplinas da vida



Saber que um dia fui espermatozóide; com o orgulho de ter sido o mais veloz, velocidade que hoje já não tenho, e ter em consequência cruzado com um óvulo, que se me fez, numa metamorfose milenar, e consentaneamente chamaram-me feto, e que de tão traquino que era, expulsaram-me da primeira residência depois de nove meses de insubordinação, para virar perculsa criança, num mundo tão inóspito quanto o nosso; é assustador. Precisamente por isso, andei outros mais seis a nove meses meio assustado e atarantado, de modos que titubeante me fui endireitando. E dizem que fui um bebé bonito, todavia assustado fico, com a transfiguração que sofri; vejam o que me sobro! Desse bebé bonito, dependente e sei lá que mais, nada sei, porque pouco o quase nada me contaram, senão que a primeira conta que aprendi a realizar foi a subtracção, bem antes de entrar na academia. Parti muitos púcaros e copos com a maior das alegrias, vejam só que sacanice!, se alguma vez em são pensar, se pode conceber um indivíduo que subtrai património, ainda por cima alheio, com satisfação. Decididamente já nasci maluco. Mas maluco ou não, o meu pai que já conhecia remédio para tal dislate, foi-me sovando pepticamente, de modo a entrar nos eixos. Mas lá diz o ditado, pau que nasce torto morre torto. De tal sorte que torto continuei, e em resultado a terapêutica continuou com uns avisos de permeio, que pelos vistos pouco adiantou.

Fiz-me menino e moço, lingrinhas porém garboso e maluco, e teria outro remédio?, metido que fui na aventura escolar, para além da leitura e da escrita, o que hoje não é necessário, porque essa etapa foi abolida, aprendi também outras operações aritméticas. Multipliquei sonhos e receios, somei alegrias e tristezas subtrai, e lá mais para a frente, complicaram tudo e renomearam-lhe matemática. Nessa aí, achei a raiz quadrada do amor, dividi meu corpo, entre parênteses, claro, já crescido mas não taludo, por muitas mulheres – sempre fui muito socialista nessa matéria – e enquanto isso, continuava a ler e a escrever. Escrevia no livro da vida! Mas porque a vida assim determina, fui metido em outras operações, matemáticas: derivei, integrei, progredi, fui função, impuseram-me limites. Revoltado com os limites, pus-me a fazer análises, muito longe de saber que me havia metido numa mata, mata ou moita já pouco importava, pelo que tive de fazer arranjos, que não surtiram efeitos e levaram-me a permutações que acabaram em combinações, algumas delas bem explosivas demais, de modo que estar vivo até hoje; puro milagre!!! E como na escola da vida e não só, outras matérias são chamadas, fui obrigado a aprender a biologia, da qual saltei para a anatomia, mas porque não, associei a arqueologia, onde da mera contemplação anatómica evolui na arqueologia do corpo no feminino. E na arqueologia desse corpo adusto, embrenhei-me diletante, na vegetação capilar; umas vezes restolhos, outras dédalo de concupiscentes florestas; bem como no tecido da pele, explorei lúbricos desertos e planícies, escalei flexuosos e sobranceiros montes e dunas, embrenhei-me em iridescentes lagos e alcantiladas grutas, escavei rútilos segredos e aqui encontrei: a boceta de Pandora* para uns, a alquimia da vida para mim.

Porém a história se fez presente, sendo; vivi, ouvi e contei muitas histórias… e aqui estou eu a contar-vos histórias da minha vida algebricamente e não só, falando! Mas também o quê que se pode contar de alguém na terceira idade? Quanto mais não seja contar histórias, umas bem e outras mal contadas. Uma coisa contudo me oponho veementemente; contar histórias que comecem com: “nos meus tempos”, “quando eu era”, porque este é o meu tempo e continuo sendo. E eis-me!

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*boceta de Pandora: origem de todos os males. (Dicionário da língua portuguesa de Eduardo Pinheiro)

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