Saber
que um dia fui espermatozóide; com o orgulho de ter sido o mais veloz,
velocidade que hoje já não tenho, e ter em consequência cruzado com um óvulo,
que se me fez, numa metamorfose milenar, e consentaneamente chamaram-me feto, e
que de tão traquino que era, expulsaram-me da primeira residência depois de
nove meses de insubordinação, para virar perculsa criança, num mundo tão
inóspito quanto o nosso; é assustador. Precisamente por isso, andei outros mais
seis a nove meses meio assustado e atarantado, de modos que titubeante me fui
endireitando. E dizem que fui um bebé bonito, todavia assustado fico, com a
transfiguração que sofri; vejam o que me sobro! Desse bebé bonito, dependente e
sei lá que mais, nada sei, porque pouco o quase nada me contaram, senão que a
primeira conta que aprendi a realizar foi a subtracção, bem antes de entrar na
academia. Parti muitos púcaros e copos com a maior das alegrias, vejam só que
sacanice!, se alguma vez em são pensar, se pode conceber um indivíduo que
subtrai património, ainda por cima alheio, com satisfação. Decididamente já
nasci maluco. Mas maluco ou não, o meu pai que já conhecia remédio para tal
dislate, foi-me sovando pepticamente, de modo a entrar nos eixos. Mas lá diz o
ditado, pau que nasce torto morre torto. De tal sorte que torto continuei, e em
resultado a terapêutica continuou com uns avisos de permeio, que pelos vistos
pouco adiantou.
Fiz-me
menino e moço, lingrinhas porém garboso e maluco, e teria outro remédio?,
metido que fui na aventura escolar, para além da leitura e da escrita, o que
hoje não é necessário, porque essa etapa foi abolida, aprendi também outras
operações aritméticas. Multipliquei sonhos e receios, somei alegrias e tristezas
subtrai, e lá mais para a frente, complicaram tudo e renomearam-lhe matemática.
Nessa aí, achei a raiz quadrada do amor, dividi meu corpo, entre parênteses,
claro, já crescido mas não taludo, por muitas mulheres – sempre fui muito
socialista nessa matéria – e enquanto isso, continuava a ler e a escrever.
Escrevia no livro da vida! Mas porque a vida assim determina, fui metido em
outras operações, matemáticas: derivei, integrei, progredi, fui função,
impuseram-me limites. Revoltado com os limites, pus-me a fazer análises, muito
longe de saber que me havia metido numa mata, mata ou moita já pouco importava,
pelo que tive de fazer arranjos, que não surtiram efeitos e levaram-me a
permutações que acabaram em combinações, algumas delas bem explosivas demais, de
modo que estar vivo até hoje; puro milagre!!! E como na escola da vida e não
só, outras matérias são chamadas, fui obrigado a aprender a biologia, da qual
saltei para a anatomia, mas porque não, associei a arqueologia, onde da mera
contemplação anatómica evolui na arqueologia do corpo no feminino. E na
arqueologia desse corpo adusto, embrenhei-me diletante, na vegetação capilar;
umas vezes restolhos, outras dédalo de concupiscentes florestas; bem como no
tecido da pele, explorei lúbricos desertos e planícies, escalei flexuosos e
sobranceiros montes e dunas, embrenhei-me em iridescentes lagos e alcantiladas
grutas, escavei rútilos segredos e aqui encontrei: a boceta de Pandora* para uns, a alquimia da vida para mim.
Porém
a história se fez presente, sendo; vivi, ouvi e contei muitas histórias… e aqui
estou eu a contar-vos histórias da minha vida algebricamente e não só, falando!
Mas também o quê que se pode contar de alguém na terceira idade? Quanto mais
não seja contar histórias, umas bem e outras mal contadas. Uma coisa contudo me
oponho veementemente; contar histórias que comecem com: “nos meus tempos”,
“quando eu era”, porque este é o meu tempo e continuo sendo. E eis-me!
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*boceta de Pandora: origem de todos os males. (Dicionário da língua
portuguesa de Eduardo Pinheiro)
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