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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Entre cheiros e fragrâncias



A minha relação com os perfumes é de grande intensidade, e envolve uma espécie de fidelidade.
A minha primeira marca de eleição, adquirida com os recursos da minha independência financeira foi a Agua Lavanda Puig. E talvez foi ela que me impôs como regra de relação a fidelidade. Acontece que o mercado, moçambicano, provocou o seu desaparecimento inoportuno e como forma de não ter que passar pela catinga, lá fui buscando o seu sucedâneo: Agua Brava. Porém, a desdita do destino determinou rotura. Todas as vezes que dela me espargia, para além de uma repentina atonia, apanhava uma dores de cabeça, a princípio indefinida e sem razão aparente, contudo uma investigação mais consentânea concluiu a incompatibilidade.

Em consequência disso, obrigou-me, enquanto não arribava a definitiva escolha, a deambular entre duas marcas. Veja se deles se recorda: o Blue Stratos e o velho Old Spice. Tendo ficado muito mais tempo no Old Spice. Todavia os percursos do nosso processo histórico e económico, afunilaram os recursos nacionais, e a definição de  prioridades de bens essenciais não constavam muitos itens, dos quais os cosméticos escassearam.


Salvou honra do meu corpo, a nossa linha aérea nacional, que sendo de bandeira, tinha que dar o ar da sua graça e de entre outras coisas, os wc(s) eram dotados de perfume de marca. E a marca escolhida: Pierre Cardin! E nós passageiros frequentes das rotas nacionais, pedíamos whisky, e o minúsculo vasilhame de bordo servia para que no wc, diminuíssemos os conteúdos perfumados dos frascos, para que não ficássemos mal, com odores pouco ou nada recomendados. Assim fomos correndo contra o tempo  de exalações mefíticas.


Passada que foi a crise, o mercado se restabelece, e as variedades de aromas disponíveis diversificou-se, estando apenas condicionado ao bolso e ao gosto. Escolhi como definitivo, e mantenho-me fiel há mais de trinta anos: Paco Rabanne nas suas variantes.


 PS: Neste tempo tão enfadonho da campanha politico eleitoral, em Mocambique, mal menor falar de algo que alegre o nariz.

sábado, 23 de agosto de 2014

O eu encontrado

Por: Lo-Chi



                                 Aquilo que eu sou, não é a percepção dos outros, mas o meu sentimento.

                                                                                                 In "Em busca do eu"

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Eu sou uma multidão


Por: Lo-Chi



Só, nunca, sozinho, muitas vezes; eu estou sempre acompanhado comigo mesmo. Eu sou uma multidão.

                                                                                                       In " Em busca do eu"

sábado, 16 de agosto de 2014

Um reencontro de amigos

Por: Lo-Chi



É sempre um prazeirão encontrar-me com os amigos. Quando o ensejo se dá e permite encontrar alguns que já alguns tempos não os vemos, ditado por quilómetros continentais, fica mais interessante. Este é um dos momentos. E para o efeito de animar o encontro foi convidado o senhor João Andante, escocês, porém este quanto parece naturalizado sul-africano, o Mr Gordon que também veio acompanhado naturalmente das damas Água Tónica, para dar outra tónica ao encontro. Também fomos acompanhados de um tinto- Cepa Alentejana- que motivou uma conversa enologista. E quem foram os doutos participantes deste seminário quintalesco? Os drs.; aliás como sabemos, levamos a sina dos portugueses e brasileiros e somos todos doutores, com ou sem competência; Edmundo do Rosário, Carlos Lopes, Esmael Fijamo, Constantino Gemusse, Carlos Chaca, mais o eminentíssimo Senito, nos dias que correm mais conhecido no facebook por Paco Pakito, o tal cujos quilómetros que nos separam nos dias de hoje são continentais. Dissemo-lo, bem vindo de retorno, ainda que de férias graciosas, à terra-mãe.

O meu aparte: adivinhem qual era o pitéu?

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Afectos e desafectos


Por: Lo-Chi


Não sou pai dos meus filhos,/ e isso nada me importa,/ ser pai apenas,/ interessa-me;/ dos filhos dos outros, sei,/ que destes sou,/ pelo que eu sou,/ nu ou vestido de mim se apropriam,/ dos meus que não são meus,/ receio que outros  meios os tenham feito.// Os outros meus, esses sim,/ dos outros são meus,/ porque de mim apenas gostam,/ sem outras razões nem rações,/ que não de amores, puros e verdadeiros.// Por tudo isso; na vida,/ pessoas tenho que procriei,/ filhos que não fecundei/ e fecundados que não perfilhei.//

In" EM BUSCA DO EU"

domingo, 6 de julho de 2014

O acidente que virou casamento, e a prevenção que virou infortúnio


por Lo-Chi


Duas moçoilas, mocubenses* de naturalidade e vivência juvenil, a Mariana e a Juscelina, lindas e amicíssimas, tinham um corpo de tirar o fôlego aos rapazes e na mesma proporção da beleza, era-lhes peculiar a safadeza. E como a leviandade, nas suas últimas consequências, acarreta dissabores, para elas não tanto pelo que a sociedade poderia dizer, contra isso já vacinadas e imunes se encontravam, mas sobretudo pela consequência económica, e o cercear a acção, decidiram e bem, à partida, tomar as precauções de uma gravidez precoce. Para o efeito, socorreram-se, não ao fio, nem a pílula, menos ainda a injecção; posto que eram as duas, avessas a pica e essas coisas de comprimidos e similares. Sendo estremes em alguns estares, para o efeito prático, recurso a uma curandeira foi solicitado. No seu método eficaz, tratou-as e tendo como objecto obstruidor de qualquer rebento, uma panela com os seus produtos, a qual foi enterrada num muro muchém**, e com o preceito de que a qualquer altura que achassem por bem deixarem a natureza biológica e sexual actuar com a lógica dos factos, bastava apenas que a desenterrassem.

Todos aqueles, dos que eu designo de terem vivido uma infância normal, não só sabem como fizeram, muitas traquinices, partidas, gozos, brincadeiras,  hoje designam-nas de bulling – abrindo aqui um parêntese – cujas, se chegadas ao conhecimento dos nossos pais, com toda a certeza, que nos encostavam a roupa ao pelo. E a Mariana e  a Juscelina eram umas inveteradas brincalhonas, nas quais entrava quase sempre algum palavrão, ou um gesto obsceno. Isso de conversa ortométrica não era o estilo delas.  E foi num desses dias que a Juscelina entendeu, e bem, pelo resultado, que deveriam brincar a transeuntes recém chegadas à Lisboa, procurando por uma avenida cujo nome para além de esquisito para o local, era um forte palavrão numa língua moçambicana. É assim que se dirigem a um sujeito, lisboeta, com uma idade aparentemente da delas, com a maior das canduras, Por favor, gostaríamos que nos dissesse onde fica a avenida Kongamakuo?. kongamakuo, palavrão que nem marujo, em circunstância idêntica, teria o à vontade de soltar com todo aquele desprendimento; vai-se lá entender o comportamento humano. O sujeito olhou para elas e primeiro, num acometimento de raiva, pensou em respondê-las `a medida e com destempero, mandando-as para o pqp, mas pensando rápido, achou piada e decidiu reagir com elegância e subtileza, subvertendo a situação, pelo que respondeu, Perguntaram a pessoa certa, não só sei, como vou para lá, e prontifico-me a dar-vos uma boleia. Essa inesperada resposta, pôs as nossas impertinentes personagens, defraudadas, embasbacadas, embaraçadas e enroladas num trama que ela próprias criaram. Entreolharam-se, na incógnita da causa daquele procedimento, mas pressentindo mato com coelho, posto que esperavam uma resposta do género: não entendi. Porém no meio da conversa que se foi desenrolando tudo acabou bem, aliás demasiada e inesperadamente bem demais, já porque o sujeito acabou confessando que conhecia Moçambique e que havia feito a tropa em Mocuba, vejam só as coincidências do destino; que pensamos só acontecer em novelas; e que conhecia o suficiente alguns termos de algumas línguas moçambicanas, principalmente os palavrões. E elas derreteram-se em desculpas, afirmando que a intenção não era ofender, mas simplesmente brincar com o insólito e o inusitado. Importa porém, para o resumo factual desta história, dizer que foi daí que estabelecem amizades e relações, onde a Mariana acaba casada com o tal cuja graça Oliveira e a Juscelina com um amigo do Oliveira, cujo nome Pereira.

Bom demais para ser verdade, para personagens que passaram a vida a brincar com a sorte. Há contudo, um pequeno grande pormenor, que obriga a recuarmos na história. Passados três anos, as nossas madames num lar e matrimónio felizes, tinham a desdita de terem estado constantemente, ensaiando relações sexuais matrimoniais, em períodos férteis, mas sem o resultado desejado. Foi aí, que a bobine da memória foi chamada e teve que ser recuada; encontraram com todo efeito, a curandeira e seu eficaz método de prevenção e a forma do mesmo ser desfeito. Todo o charme e toda a ciência de convencimento foi jogado, para persuadirem os maridos da necessidade de terem de voltar a Moçambique para umas breves férias de visita as famílias. Os meus caros amigos, já devem estar imaginando a empreitada, nesses tempos difíceis da crise.  Quem já disse que a mulher quando quer uma coisa nada a demove até conseguir; esse, neste caso acertou. As madames fizeram-se ao ar, com as respectivas ligações, sem paragens para descansar, nem sequer no Maputo, para aquilatar os avanços tão propalados da nossa capital, não foram argumentos bastantes para as nossas personagens. Concentradas no objectivo principal e único da viagem. E quando damos por elas, ansiosíssimas, estão aterrando em Mocuba. Mal chegadas, com a memória ainda bem patente, do local onde a panela, com os seus ingredientes, havia sido enterrada, não se fizeram rogadas, imediatamente se puseram a caminho, com uma enxada em punho, não fosse o diabo tecê-las e atravessaram apressadas a ponte sobre o rio Licungo, e quando lá chegadas,... no local onde se situava o muro muchém**, estava, linda e pintadinha, pedra tijolo cimento e ferro, uma das salas de aulas da Escola Agrária de Mocuba!!!!***

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* naturais de Mocuba, uma pequena cidade da Provincia da Zambezia-Mocambique
**cômoro
***conhecem aquele poema do Carlos Drumond de Andrade: “ ...e agora José?!”




quarta-feira, 28 de maio de 2014

Purismo da linguagem


Por: Lo-Chi


Vem a propósito de um email que aparece pela quarta vez no meu endereço, cujo título neste momento ostenta a seguinte designação: “saudosa escola primária”. Isso muito a propósito da celeuma levantada, desde que a Dilma passou a presidente do Brasil, em que ela achou por bem, que se lhe deveria chamar presidenta e não presidente. E pelos vistos, a questão acabou tendo eco de aceitação na área feminina, no berço de Camões, com reacções dos defensores da imutabilidade, impossível, diga-se em abono da verdade, do português. Inspirado nesse email, que levanta a questão da regra, que orienta a formação das palavras da mesma estirpe, fiz o seguinte mapa:


Verbo Participio activo pela regra resultando utiliza-se em Portugal conferencia situação

atacar
ataca®nte atacante atacante sim regra
pedir pedi®nte pedinte pedinte sim regra
cantar canta®nte cantante cantante sim regra
existir existi®nte existente existente sim regra
mendicar mendiga®nte mendigante mendigante sim regra
ser se®nte sente ente não excepção
presidir presidi®nte presidinte presidente não excepção
arder arde®nte ardente ardente sim regra
estudar estuda®nte estudante estudante sim regra
adolescer adolesce®nte adolescente adolescente sim regra
? pacie(r)nte paciente paciente não regra

Denota-se afinal que os argumentos da lógica, acaba perdendo-se na própria ilógica.  As perguntas advindas do mapa ilustrante são as seguintes: Porquê que é ente e não sente? Porque presidente e não presidinte? Haverá, e porque não o verbo pacier? E essa ilógica no caso, chamam-lhe excepção. Se a língua é de todos, quem determina a excepção? Quem lhe conferiu esse poder? Porque que eu, não digo como pessoa, mas como país, neste contexto dos países lusófonos, não posso estabelecer outras que melhor me sirvam em função de vários outros factores e realidades determinantes, que são diferentes de país para país?

Vamos ver a capacidade de Portugal efectivamente influenciar as regras do português na globalidade dos países falantes do português. Do meu ponto de vista é mínima, determinada pelos seguintes factores:

1-     Poderio económico. Segundo o filósofo economista Karl Marx, que disse com toda propriedade comprovada, o económico é determinante. E neste momento quem está em condições de falar alto é o Brasil, de tal modo que, já reflecte-se incluso, na presente celeuma.
2-    População. Nesta sociedade global, altamente digitalizada, a Microsoft, por exemplo, dará uma resposta muito mais rápida e efectiva ao Brasil, nos seus programas, que qualquer um outro da lusofonia. Primeiro pelo seu crescimento económico e capacidade negocial e segundo, pela representação do potencial mercado: 250 milhões de potenciais clientes.
3-    Capacidade de influenciar- O Brasil, só com as novelas, factor de uma grande capacidade de influenciar, vai impondo o seu linguajar e não apenas; mesmo sem coação, a todos sem excepção, no perímetro da lusofonia e não só. Realidade actual.

Afora esses pontos, nesta vã e inglória batalha, dos que a vestiram, esqueceram-se da motivação dessa tomada de posição: a emancipação da mulher. A luta esta renhida. E as mulheres com todos instrumentos disponíveis, estão-se a  impor, incluindo nos signos da linguagem. Essa é uma vontade férrea de se demarcarem da subordinação aos homens e é nesse ângulo que tem que ser apreendido esse fenómeno. Porventura se os homens se sentirem com força suficiente, que digam, sendo a profissão de motorista suficientemente de macho, que a partir de hoje não se chama motorista, mas sim motoristo. Porque garanto;  as árbitros amanhã vão reclamar o termo árbitra, não tenho dúvidas, e vão-se impor, ainda que vos soe mal.  

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Aqui entre nós, as regras são feitas pelos homens, e como tal em função das mudanças de circunstâncias são passíveis de se alterar. Sei, que se vai dizer que as instituições devidas, no caso academias apropriadas é que devem fazer. Mas notem dois aspectos que não devem ser descurados. Um, a Dilma só fez, quando ela própria passou a ser (representar) uma instituição. Dois, nesta fase de maior democratização dos actos sociais e a sociedade respeitante, acabou-se a chamada exclusividade de tais instituições especializadas, de serem elas a determinar. E notem que os jovens já estão a revolucionar a linguagem escrita a margem de todos os especialistas e academias. Vejam as redes sociais.

sábado, 1 de março de 2014

As nossas descaradas renegações


por Lo-Chi

Na senda das histórias ligadas aos nossos médicos primeiros, no sentido de naturalizá-los, aqui estou. Poucos são os que assumem a realidade incontornável de mais dias menos dias, termos, por razões diversas, de ir aos nossos curandeiros. Nas sociedades africanas actuais, como resultando do nosso processo histórico e na sequência do complexo que adquirimos, através do efeito colonial, tudo que é nosso, é baixo, é inferior, é buçal, está fora do conceito civilização. A tendência é de renegar a nossa vivência, a nossa espiritualidade primeira. Cumprimos os nossos ritos, sempre com uma espécie de vergonha e clandestinidade. Ainda temos vergonha da nossa nudez. A nossa descolonização mental ainda está longe de acontecer completamente.

Estando em Nampula trabalhando, acabei reencontrando-me com um amigo de infância, o Giovane Casuarina, que segundo o seu destino, acabou fazendo medicina, estando na altura estagiando, bastante adiantado, para a especialidade de cirurgia. Recordo-me, que umas das vezes, ele foi-se aos arames, porque um médico tradicional foi ter com ele e chamou-o de colega. E ele, com toda propriedade, foi argumentando que era um autêntico atrevimento, o sujeito ter reclamado paridade profissional; ele que investira anos à fio nos seus estudos, suportando professores e toda a sorte de privações e sacrifícios, para ser homonimado por alguém, que nem na escola secundária estivera, e nem tinha a mesma competência. A verdade porém, é que as agruras do destino, levaram-no a uma situação complicada, com sinais de desespero: cai doente. Doença que se prolonga, interditando-o de fazer suas operações. Fez todo o tipo de consultas, análises e testes. Irremediavelmente, estava parqueado nas boxes, avariado: avaria grossa. Os remédios não lhe faziam o devido efeito. Conclusão, já todos nós sabemos: ir ao curandeiro. Depois de alguma resistência, que não era resistência, mas uma simulação de coerência, acabou no óbvio. Acedeu, ou, verdade seja dita, suplicou. O perito foi chamado à casa. Coincide com uma das minhas visitas. Quando entro, como era comum, com o à vontade da nossa longa amizade, vou-me fazendo, sem permissão especial, mas diferentemente, sinto no ar um embaraço, uma autêntica súplica de indefinível, mas o inevitável deu-se. Quando chego ao quarto, dou de caras com o especialista, que estava dando as recomendações finais ao seu paciente, que com ar confrangedor, (do jeito de alguém que é apanhado a limpar o salão com o indicador) quanto submisso, ia assimilando atento a prescrição, com as raízes denunciadoras, como arma do crime, na mão. Verdadeiramente com a boca na botija. E que botija. Quando aquele sai, para conferir naturalidade a situação, mas piorando o embaraço, sem querer,  perguntei desastrado: o quê que o teu colega prescreveu-te? Essa doeu-lhe, tanto quanto acertarmos com a canela na aresta da cama.

Não há uma sem duas. Sendo, há outra, de um sujeito, de nome próprio Inhassunge Fardado, ocupando um alto cargo no governo central, e como tal, sempre solicitado por inerência de funções, para cocktails, jantares e afins. E como era de bom tom e mandam as regras protocolares, sempre no seu fato. Nesse dia, de forte calor e uma estranha humidade, estavam num jantar, que se prolongou após a saída do boss máximo, no à vontade, e pelo aperto do calor atmosférico, acrescido com o calor do álcool já consumido, todo mundo foi tirando o casaco. E no embalo, o nosso dirigente, esquecido do seu particular, que não era tão particular assim, segue o exemplo dos demais e desmonta o seu. Qual é o espanto? – que não era, e nem deveria ser espanto. No seu braço direito, tinha uma braçadeira vermelha com um txitdjumbo(*) preto. E ele só dá por ela, num momento irreversível, quando todo o mundo, uns estupefactos e outros curiosos, olhavam para a sua braçadeira de capitão. Alguém, muito próximo e sarcástico, perguntou-lhe em que equipa jogava, e ele todo pálido, vermelho não podia, era preto e preto não fica vermelho, sem jeito, titubeia com péssima dicção, (com o mal-estar de quem é apanhado a roubar em flagrante) que era um problema de uma dor muscular que o sujeitava à tão incomoda braçadeira. Mas com txidjumbo? Dava para perguntar. Mas o sentido de conivência, pôs os que sabiam, num desconcertante silêncio. Silêncio mais embaraçante que a pergunta abortada.


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(*)Txidjumbo, amuleto que os curandeiros dão ao desafortunado, de modo a defendê-lo de todo mau olhando, bem como conferir-lhe sorte, no trabalho, nas mulheres, na saúde, etc., etc..

 .fotos do google




A razoabilidade racional


por Lo-Chi


Recordo-me, com um sorriso nos lábios, que, quando ouvi um presidente de uma associação dos médicos tradicionais perguntar, quem, moçambicano, se não mesmo africano, não teria um onze no peito, corroborei. Com toda razão e propriedade, posto que, desde presidente a servente, marcado culturalmente, ainda que de formação superior, vai ao curandeiro ou feiticeiro, conforme o caso de desespero ou hábito enraizado. Pura e indiscutível verdade. Todos nós, no mínimo, umas duas vezes fomos na vida.

Eu já fui ao vovô, quando a vida me correu menos bem, após insistência da mãezinha perguntando se perdia alguma coisa com isso, e na sequência, adoptei o princípio de perdido por cem, perdido por mil e lá fui. Indo, não perdi o senso crítico, não me deixei levar pelos absurdos, apesar de seguir os rituais definidos para o caso. Também já levei o meu filho, quando após todas a tentativas de tratamento de uma maleita que o importunava, redundaram em fracasso, e aconselharam-me a medicina tradicional. Confesso que fui, neste caso, em desespero de causa.

Em conversa com os amigos, tenho recolhido histórias diversas, umas tentando pôr a nu algumas incongruências, senão mesmo, situações completamente caricatas e absurdas, e outras mostrando a funcionalidade  dos curandeiros, com factos irrefutáveis e comprovados de desembrulhanços quase impossíveis, conseguidos com a nossa magia negra. E nesse inventário de factos e provas, vai-se desenrolando províncias mais destacadas, em termos de conhecimentos e peritos desta arte ou ciência. Fala-se de Nampula, fala-se de Niassa, mostra-se que em Cabo Delegado não se brinca, outros da Zambézia, não poucos destacam Tete, e outros tantos, Inhambane, como também Manica e Sofala, e ainda de Maputo e Gaza como capitaneando; em resumo, todo país tem mestres e gurus. Outrossim, em cada província,  vai-se destacando um ou outro distrito, cuja universidade tem tido como resultado, peritos de fama e performance sem igual. Por exemplo, Sofala tem como centro de reabilitação de prestigio e infalibilidade impar, Gorongosa. E assim por diante, para outras províncias.

Uma destas vezes, numa roda de amigos, versando esse tema, um deles dizia, que todos eram uma cambada de charlatães, e que não se devia ir nessa música. E tentando ilustrar, traz como exemplo, uma história que se havia passado com ele, onde um curandeiro depois de todo o ritual de ossos, missangas e conchas, na tentativa de descobrir a causa dos seus problemas, foi chamando os antepassados e todo um rol de forças, que lhe davam a sabedoria necessária, não só para detectar a causa e os motivos, bem como o antídoto para o mal. Diagnosticado; o seu mal tinha origem a sua mãe, cujo motivo era o seu descontentamento, ja porque ela queria uma capulana. E dizia o meu amigo, que era uma estrondosa mentira, posto que ela já estava morta e enterrada, havia mais de seis anos. Todavia, encontrou a justificação para o facto, um outro interlocutor na altura, socorrendo-se do facto de que, se até na medicina científica, havia ginecologistas mecânicos, o que não invalidava a ciência e o saber dos verdadeiros, porquê que essa verdade, não serviria para os tradicionais.
 
Mas a minha grande questão, deste obscurantismo de mãos dadas com a ciência, são alguns descalabros, cujos factos aparecem, relatados vezes muitas na imprensa. Curandeiros que acusam mães de feitiçarem os seus filhos e, em consequência, são por estes assassinadas, por esse suposto delito. Será que uma pessoa, em sã consciência, com uma razoabilidade racional, pode pensar, que alguém que o teve nove meses na barriga, com sacrifícios inarráveis, com privações para o criar, que sofreu com ele e por ele, nas incógnitas do período em que adoeceu, e... de repente, quer o seu mal e vai feitiça-lo depois de crescido?! Onde a razoabilidade disso? Convenhamos.







sábado, 15 de fevereiro de 2014

Os celulares da minha terra


por Lo-Chi


Os celulares da minha terra*, muitos deles com preços promocionais das operadoras, falam várias línguas, com incidência maior para o lômwé, chuabo, macua, sena e português. Algumas vezes o inglês, bom ou mau, mas suficientemente desenrascado. Nessa comunicação multi-língua ou multilingue, tem assuntos díspares. Questionam se a chuva tem caído, se a machamba está lavrada, se a namorada ainda sente saudades, questionam a fidelidade da companheira distante, perguntam pela saúde da velha mãe, interpelam pelo avanço pedagógico académico do filho, da mesada enviada pelo amigo para aquela localidade desbancarizada. Nos celulares da minha terra, fala-se da chuva que está para chegar e tudo a ela ligada, dos dramas das cheias e das secas, expressa-se o temor dos ventos fortes que destapam o tecto das nossas escolas recém edificadas, quando as antigas resistem, fala-se das fontes de água construídas e por construir, do milho produzido e comercializado ou não, da justeza ou não dos preços, exprime-se tristeza pelo sujeito electrocutado pela faísca que caiu no povoado ainda sem electricidade da nossa Cahora Bassa, fala-se da paz que escorrega e se esfiapa entre os nossos dedos impotentes. Pasmados, os celulares da minha terra falam do hospital algumas vezes morgue, e do simpático professor que outras vezes cai na tentação da sobrevivência, do enfermeiro aplicado, mas destituído de medicamentos. E os celulares vão falando tudo isso, quantas vezes carregados de emoção, e por isso mesmo, com veriditos justos e injustos, porém autênticos e intensos.

Enquanto isso, os smartphones do meu país, estão numa outra rede, de uma operadora exclusiva, onde a língua longe daquela dos que na minha terra faz uso dela no seu quotidiano comunicacional, utilizam quiçá o grego, provavelmente vernáculo, cheio de expressões idiomáticas, as vezes o português tem uma outra categoria de mensagem, onde a rabulice predomina, e a festinação e o ditirambo, fazem regra, falam da paz e fazem a guerra, discutem desenvolvimento e procedem como os mais rústicos seres subdesenvolvidos, propalam democracia e exercem exclusão e tiram a moçambicanidade, falam de consultas comunitárias desconsultadas, numa rede exclusiva, e não conseguem construir o inter, ficando na sua intra, mandam recados crispados, descrevendo factos tão diferentes, resultados tão abstractos, que para aqueles que tem acesso a esses recados e mantém um pouco de bom senso, ficam com a sensação de estarmos a falar de países e terras bem diferentes e distantes. Falam de segurança e os sequestros disseminam-se, feitos massedjheles após chuva torrencial. Conduzem o trânsito da informação na contra-mão; no semáforo do diálogo, confundem o verde com o amarelo e não poucas vezes com o vermelho e julgam-nos daltónicos. Esqueceram-se que nos mandaram aprender as cores na alfabetização. Os smartphones da minha nação em construção, somos avisados, que existem os que são genuínos e outros nem tanto assim, e no canal internacional os mesmos cantam Mandela. Os celulares inteligentes do meu país coscuvilham sobre polícias ladrões, heroicizam o juiz condenado, uniformizam FIRmente os defraudantes das eleições. Nos smartphones do meu país, encomendam-se flores para o dia do Amor, e no entretanto arremessam balas de AK47 que matam os nossos irmãos desirmados no ódio alheio.

E é por tudo isso: meios, língua e rede, edificam vasos descomunicantes, de tal maneira que o meu país é formado de vários países, desencontrados. Quando alguém te disser que conhece Moçambique, urge perguntar: qual Moçambique?!?!

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* como de outras terras de que meu país é feito




quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

pensando Mocambique

Por Lo-Chi

      Há branqueamentos políticos, de tão forçados e intemporais, se assemelham a vã veleidade de lavar a cara com as gotas de orvalho.

                                                                                                      In "soliloquio"

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Chove

Por: LO-Chi

Chove.

Oiço atentamente a música que a chuva produz, quando de encontro ao pavimento ou as pedras da calçada. E nessa audição recordo o som que essas gotas de prata produzem, em plena cobertura de zinco ou de colmo. É um lamento feito de nostalgias, cheias de claves pungentes, lâminas dilacerando o nosso ser receptivo a essa música, composta de notas dolentes que só elas podem fazer semelhante sonata, que abreviava as minhas horas de vigília, naquele magnífico bairro da minha infância.

E nessa infância despreocupada e cheia de alegria infantil, eu e os amigos, cantávamos, num ritmo sem compasso, uma música que nos enleava. Cantávamos nos dias de chuva , porque sabíamo-la construtora de piscinas, feitas em ventres dilacerados da terra, que eram o cadinho desse metal friamente liquefeito, cujo aprisionamento, proporcionava-nos largas braçadas. Por isso, debaixo da chuva, cantávamos a presente e a futura alegria. Contudo, era uma alegria cortada de vincados receios de sermos admoestados pelo banho no chuveiro das grandes alturas, ou nas futuras e vindouras piscinas.


Chove. Passeamos no carro; deitados na cama; vemos lágrimas torrenciais deslizando nos vidros das janelas. É um bem-estar inefável, um arrepio, uma mutação que sentimos nas nossas fibras. Quando a chuva acontece, sentimos uma sensação de paz e calma, mas há sempre um ínfimo quê que nos deprime, pois que todo o doce fremer das nossas fibras, vem mesclado de um certo átomo de melancolia, as vezes até de solidão, mesmo que com alguém ao lado. A chuva banha sempre, o ambiente duma imponderável tristeza ou de uma nostálgica alegria. Talvez porque ela transporta-nos às suas origens, os altos céus, e timbra-nos com aquela leveza própria das alturas, e aquela nostalgia que só o cinzento em que o céu se encontra banhado é capaz de simbolizar. E a nostalgia é  própria da solidão.

Chove. E com todos esses pensamentos pego em mim e ando debaixo dessas lágrimas que me dão a fresca ilusão de magnitude e posse. Passeio pelas ruas, deambulo pela marginal, e como um sonâmbulo, noto que tudo é imobilidade, indo até a natureza que se mantém estática, apreciando o fenómeno

Só, como um fantasma, vejo a ausência de pessoas, o que me traz nesta solidão a impressão de que tudo é meu.

A chuva traz conforto, paz e harmonia, mesmo assim melancolia. E nessa poalha de consternação, continuo sacrílego, violando a imobilidade, deambulando pelas ruas; e cheio de frémitos arrepios e com eles uma emoção indescritível de ver correr fiozinhos de água. Paro; e aprecio embebido numa mística atenção, a queda livre dessas gotas cristalizadas. E enquanto gozo esta sublimação a pureza que contenho e  a nódoa que continha, perplexo noto na raiz do nariz uma partícula de água…. Chuva ou lágrima? Uma lágrima não! Não, porque não choro. E convenço-me. Mas porquê tanta veemência- pergunto-me – em não chorar, se chorar é a liberdade de viver uma forte emoção.


A chuva é triste! A chuva é triste porque é o choro do céu em exuberantes lágrimas que trazem a marca dos olhos repletos de mágoas liquefeitas. Chove, sentimo-nos aliviados porque com o céu, sofremos uma descarga psíquica das cargas emotivas que contemos num púdico preconceito de que o homem não chora.

Chove. Sentimo-nos comedidamente expansivos, porque choramos e as nossas “lágrimas se confudem com os pingos dessa chuva”