por Lo-Chi
Os celulares da minha terra*, muitos deles com preços promocionais das
operadoras, falam várias línguas, com incidência maior para o lômwé, chuabo,
macua, sena e português. Algumas vezes o inglês, bom ou mau, mas
suficientemente desenrascado. Nessa comunicação multi-língua ou multilingue,
tem assuntos díspares. Questionam se a chuva tem caído, se a machamba está
lavrada, se a namorada ainda sente saudades, questionam a fidelidade da
companheira distante, perguntam pela saúde da velha mãe, interpelam pelo avanço
pedagógico académico do filho, da mesada enviada pelo amigo para aquela
localidade desbancarizada. Nos celulares da minha terra, fala-se da chuva que
está para chegar e tudo a ela ligada, dos dramas das cheias e das secas,
expressa-se o temor dos ventos fortes que destapam o tecto das nossas escolas recém edificadas, quando as antigas resistem, fala-se das fontes de água construídas e
por construir, do milho produzido e comercializado ou não, da justeza ou não
dos preços, exprime-se tristeza pelo sujeito electrocutado pela faísca que caiu
no povoado ainda sem electricidade da nossa Cahora Bassa, fala-se da paz que
escorrega e se esfiapa entre os nossos dedos impotentes. Pasmados, os celulares
da minha terra falam do hospital algumas vezes morgue, e do simpático
professor que outras vezes cai na tentação da sobrevivência, do enfermeiro
aplicado, mas destituído de medicamentos. E os celulares vão falando
tudo isso, quantas vezes carregados de emoção, e por isso mesmo, com veriditos
justos e injustos, porém autênticos e intensos.
Enquanto isso, os smartphones do meu país, estão numa outra rede, de uma
operadora exclusiva, onde a língua longe daquela dos que na minha terra faz uso dela no seu quotidiano comunicacional, utilizam quiçá o grego,
provavelmente vernáculo, cheio de expressões idiomáticas, as vezes o português tem
uma outra categoria de mensagem, onde a rabulice predomina, e a festinação e o
ditirambo, fazem regra, falam da paz e fazem a guerra, discutem desenvolvimento
e procedem como os mais rústicos seres subdesenvolvidos, propalam democracia e
exercem exclusão e tiram a moçambicanidade, falam de consultas comunitárias desconsultadas,
numa rede exclusiva, e não conseguem construir o inter, ficando na sua intra,
mandam recados crispados, descrevendo factos tão diferentes, resultados tão
abstractos, que para aqueles que tem acesso a esses recados e mantém um pouco
de bom senso, ficam com a sensação de estarmos a falar de países e terras bem
diferentes e distantes. Falam de segurança e os sequestros disseminam-se,
feitos massedjheles após chuva torrencial. Conduzem o trânsito da informação na
contra-mão; no semáforo do diálogo, confundem o verde com o amarelo e não
poucas vezes com o vermelho e julgam-nos daltónicos. Esqueceram-se que nos
mandaram aprender as cores na alfabetização. Os smartphones da minha nação em
construção, somos avisados, que existem os que são genuínos e outros nem tanto
assim, e no canal internacional os mesmos cantam Mandela. Os celulares inteligentes do meu país coscuvilham sobre polícias ladrões, heroicizam o juiz condenado, uniformizam FIRmente os defraudantes das eleições. Nos smartphones do meu país, encomendam-se flores para o dia do Amor, e no entretanto
arremessam balas de AK47 que matam os nossos irmãos desirmados no ódio alheio.
E é por tudo isso: meios, língua e rede, edificam vasos descomunicantes,
de tal maneira que o meu país é formado de vários países, desencontrados.
Quando alguém te disser que conhece Moçambique, urge perguntar: qual Moçambique?!?!
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* como de
outras terras de que meu país é feito
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