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domingo, 6 de julho de 2014

O acidente que virou casamento, e a prevenção que virou infortúnio


por Lo-Chi


Duas moçoilas, mocubenses* de naturalidade e vivência juvenil, a Mariana e a Juscelina, lindas e amicíssimas, tinham um corpo de tirar o fôlego aos rapazes e na mesma proporção da beleza, era-lhes peculiar a safadeza. E como a leviandade, nas suas últimas consequências, acarreta dissabores, para elas não tanto pelo que a sociedade poderia dizer, contra isso já vacinadas e imunes se encontravam, mas sobretudo pela consequência económica, e o cercear a acção, decidiram e bem, à partida, tomar as precauções de uma gravidez precoce. Para o efeito, socorreram-se, não ao fio, nem a pílula, menos ainda a injecção; posto que eram as duas, avessas a pica e essas coisas de comprimidos e similares. Sendo estremes em alguns estares, para o efeito prático, recurso a uma curandeira foi solicitado. No seu método eficaz, tratou-as e tendo como objecto obstruidor de qualquer rebento, uma panela com os seus produtos, a qual foi enterrada num muro muchém**, e com o preceito de que a qualquer altura que achassem por bem deixarem a natureza biológica e sexual actuar com a lógica dos factos, bastava apenas que a desenterrassem.

Todos aqueles, dos que eu designo de terem vivido uma infância normal, não só sabem como fizeram, muitas traquinices, partidas, gozos, brincadeiras,  hoje designam-nas de bulling – abrindo aqui um parêntese – cujas, se chegadas ao conhecimento dos nossos pais, com toda a certeza, que nos encostavam a roupa ao pelo. E a Mariana e  a Juscelina eram umas inveteradas brincalhonas, nas quais entrava quase sempre algum palavrão, ou um gesto obsceno. Isso de conversa ortométrica não era o estilo delas.  E foi num desses dias que a Juscelina entendeu, e bem, pelo resultado, que deveriam brincar a transeuntes recém chegadas à Lisboa, procurando por uma avenida cujo nome para além de esquisito para o local, era um forte palavrão numa língua moçambicana. É assim que se dirigem a um sujeito, lisboeta, com uma idade aparentemente da delas, com a maior das canduras, Por favor, gostaríamos que nos dissesse onde fica a avenida Kongamakuo?. kongamakuo, palavrão que nem marujo, em circunstância idêntica, teria o à vontade de soltar com todo aquele desprendimento; vai-se lá entender o comportamento humano. O sujeito olhou para elas e primeiro, num acometimento de raiva, pensou em respondê-las `a medida e com destempero, mandando-as para o pqp, mas pensando rápido, achou piada e decidiu reagir com elegância e subtileza, subvertendo a situação, pelo que respondeu, Perguntaram a pessoa certa, não só sei, como vou para lá, e prontifico-me a dar-vos uma boleia. Essa inesperada resposta, pôs as nossas impertinentes personagens, defraudadas, embasbacadas, embaraçadas e enroladas num trama que ela próprias criaram. Entreolharam-se, na incógnita da causa daquele procedimento, mas pressentindo mato com coelho, posto que esperavam uma resposta do género: não entendi. Porém no meio da conversa que se foi desenrolando tudo acabou bem, aliás demasiada e inesperadamente bem demais, já porque o sujeito acabou confessando que conhecia Moçambique e que havia feito a tropa em Mocuba, vejam só as coincidências do destino; que pensamos só acontecer em novelas; e que conhecia o suficiente alguns termos de algumas línguas moçambicanas, principalmente os palavrões. E elas derreteram-se em desculpas, afirmando que a intenção não era ofender, mas simplesmente brincar com o insólito e o inusitado. Importa porém, para o resumo factual desta história, dizer que foi daí que estabelecem amizades e relações, onde a Mariana acaba casada com o tal cuja graça Oliveira e a Juscelina com um amigo do Oliveira, cujo nome Pereira.

Bom demais para ser verdade, para personagens que passaram a vida a brincar com a sorte. Há contudo, um pequeno grande pormenor, que obriga a recuarmos na história. Passados três anos, as nossas madames num lar e matrimónio felizes, tinham a desdita de terem estado constantemente, ensaiando relações sexuais matrimoniais, em períodos férteis, mas sem o resultado desejado. Foi aí, que a bobine da memória foi chamada e teve que ser recuada; encontraram com todo efeito, a curandeira e seu eficaz método de prevenção e a forma do mesmo ser desfeito. Todo o charme e toda a ciência de convencimento foi jogado, para persuadirem os maridos da necessidade de terem de voltar a Moçambique para umas breves férias de visita as famílias. Os meus caros amigos, já devem estar imaginando a empreitada, nesses tempos difíceis da crise.  Quem já disse que a mulher quando quer uma coisa nada a demove até conseguir; esse, neste caso acertou. As madames fizeram-se ao ar, com as respectivas ligações, sem paragens para descansar, nem sequer no Maputo, para aquilatar os avanços tão propalados da nossa capital, não foram argumentos bastantes para as nossas personagens. Concentradas no objectivo principal e único da viagem. E quando damos por elas, ansiosíssimas, estão aterrando em Mocuba. Mal chegadas, com a memória ainda bem patente, do local onde a panela, com os seus ingredientes, havia sido enterrada, não se fizeram rogadas, imediatamente se puseram a caminho, com uma enxada em punho, não fosse o diabo tecê-las e atravessaram apressadas a ponte sobre o rio Licungo, e quando lá chegadas,... no local onde se situava o muro muchém**, estava, linda e pintadinha, pedra tijolo cimento e ferro, uma das salas de aulas da Escola Agrária de Mocuba!!!!***

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* naturais de Mocuba, uma pequena cidade da Provincia da Zambezia-Mocambique
**cômoro
***conhecem aquele poema do Carlos Drumond de Andrade: “ ...e agora José?!”




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