por Lo-Chi
Duas moçoilas, mocubenses* de naturalidade e vivência
juvenil, a Mariana e a Juscelina, lindas e amicíssimas, tinham um corpo de
tirar o fôlego aos rapazes e na mesma proporção da beleza, era-lhes peculiar a
safadeza. E como a leviandade, nas suas últimas consequências, acarreta
dissabores, para elas não tanto pelo que a sociedade poderia dizer, contra isso
já vacinadas e imunes se encontravam, mas sobretudo pela consequência económica,
e o cercear a acção, decidiram e bem, à partida, tomar as precauções de uma
gravidez precoce. Para o efeito, socorreram-se, não ao fio, nem a pílula, menos
ainda a injecção; posto que eram as duas, avessas a pica e essas coisas de
comprimidos e similares. Sendo estremes em alguns estares, para o efeito
prático, recurso a uma curandeira foi solicitado. No seu método eficaz,
tratou-as e tendo como objecto obstruidor de qualquer rebento, uma panela com
os seus produtos, a qual foi enterrada num muro muchém**, e com o preceito de
que a qualquer altura que achassem por bem deixarem a natureza biológica e
sexual actuar com a lógica dos factos, bastava apenas que a desenterrassem.
Todos aqueles, dos que eu designo de terem vivido uma
infância normal, não só sabem como fizeram, muitas traquinices, partidas, gozos,
brincadeiras, hoje designam-nas de bulling
– abrindo aqui um parêntese – cujas, se chegadas ao conhecimento dos nossos
pais, com toda a certeza, que nos encostavam a roupa ao pelo. E a Mariana
e a Juscelina eram umas inveteradas
brincalhonas, nas quais entrava quase sempre algum palavrão, ou um gesto
obsceno. Isso de conversa ortométrica não era o estilo delas. E foi num desses dias que a Juscelina
entendeu, e bem, pelo resultado, que deveriam brincar a transeuntes recém
chegadas à Lisboa, procurando por uma avenida cujo nome para além de esquisito
para o local, era um forte palavrão numa língua moçambicana. É assim que se
dirigem a um sujeito, lisboeta, com uma idade aparentemente da delas, com a
maior das canduras, Por favor, gostaríamos que nos dissesse onde fica a avenida Kongamakuo?. kongamakuo,
palavrão que nem marujo, em circunstância idêntica, teria o à vontade de soltar
com todo aquele desprendimento; vai-se lá entender o comportamento humano. O
sujeito olhou para elas e primeiro, num acometimento de raiva, pensou em
respondê-las `a medida e com destempero, mandando-as para o pqp, mas pensando rápido,
achou piada e decidiu reagir com elegância e subtileza, subvertendo a situação,
pelo que respondeu, Perguntaram a pessoa
certa, não só sei, como vou para lá, e prontifico-me a dar-vos uma boleia.
Essa inesperada resposta, pôs as nossas impertinentes personagens, defraudadas,
embasbacadas, embaraçadas e enroladas num trama que ela próprias criaram.
Entreolharam-se, na incógnita da causa daquele procedimento, mas pressentindo
mato com coelho, posto que esperavam uma resposta do género: não entendi. Porém
no meio da conversa que se foi desenrolando tudo acabou bem, aliás demasiada e
inesperadamente bem demais, já porque o sujeito acabou confessando que conhecia
Moçambique e que havia feito a tropa em Mocuba, vejam só as coincidências do
destino; que pensamos só acontecer em novelas; e que conhecia o suficiente
alguns termos de algumas línguas moçambicanas, principalmente os palavrões. E
elas derreteram-se em desculpas, afirmando que a intenção não era ofender, mas
simplesmente brincar com o insólito e o inusitado. Importa porém, para o resumo
factual desta história, dizer que foi daí que estabelecem amizades e relações, onde
a Mariana acaba casada com o tal cuja graça Oliveira e a Juscelina com um amigo
do Oliveira, cujo nome Pereira.
Bom demais para ser verdade, para personagens que
passaram a vida a brincar com a sorte. Há contudo, um pequeno grande pormenor,
que obriga a recuarmos na história. Passados três anos, as nossas madames num
lar e matrimónio felizes, tinham a desdita de terem estado constantemente,
ensaiando relações sexuais matrimoniais, em períodos férteis, mas sem o
resultado desejado. Foi aí, que a bobine da memória foi chamada e teve que ser
recuada; encontraram com todo efeito, a curandeira e seu eficaz método de
prevenção e a forma do mesmo ser desfeito. Todo o charme e toda a ciência de
convencimento foi jogado, para persuadirem os maridos da necessidade de terem
de voltar a Moçambique para umas breves férias de visita as famílias. Os meus
caros amigos, já devem estar imaginando a empreitada, nesses tempos difíceis da
crise. Quem já disse que a mulher quando
quer uma coisa nada a demove até conseguir; esse, neste caso acertou. As
madames fizeram-se ao ar, com as respectivas ligações, sem paragens para
descansar, nem sequer no Maputo, para aquilatar os avanços tão propalados da
nossa capital, não foram argumentos bastantes para as nossas personagens.
Concentradas no objectivo principal e único da viagem. E quando damos por elas,
ansiosíssimas, estão aterrando em Mocuba. Mal chegadas, com a memória ainda bem
patente, do local onde a panela, com os seus ingredientes, havia sido enterrada,
não se fizeram rogadas, imediatamente se puseram a caminho, com uma enxada em
punho, não fosse o diabo tecê-las e atravessaram apressadas a ponte sobre o rio
Licungo, e quando lá chegadas,... no local onde se situava o muro muchém**,
estava, linda e pintadinha, pedra tijolo cimento e ferro, uma das salas de
aulas da Escola Agrária de Mocuba!!!!***
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* naturais de Mocuba, uma pequena cidade da Provincia da Zambezia-Mocambique
**cômoro
***conhecem aquele poema do Carlos Drumond de
Andrade: “ ...e agora José?!”
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