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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Encarrar

por Lo-Chi

Não conhece esse verbo, nem tão pouco é uma corruptela por pronunciamento no sotaque do sul de Moçambique, os quais têm problemas sérios com o erre e as sílabas anasaladas. É um verbo da minha autoria, que vem por similitude com uma situação bem conhecida, bem das bandas de Nampula, na relação homem mulher. Adianto; você decerto já ouviu falar do termo engarrafar(*).

Nos meus frescos anos de juventude, conheci uma mulher que era um cavalo. Um cavalo de tróia, dizia eu. Nesse então, entrei na corrida de domar sentimentalmente a cavalona. Não se atrapalhem que esses substantivos e adjectivos animalescos, na nossa gíria de então, nada tinha de pejorativo, mas tinha sim o condão, na nossa linguagem, de diferenciar uma mulher de beleza normal, daquelas esculturalmente de parar o trânsito. Agora que esclarecidos estamos, volto aos tempos de antanho. A cavalona, na altura uma poldra, era um mulheraço precoce, levando as linhas femininas da família. Porque aqui impõe-se outro rápido parêntese, vamos dizer que, da linha de montagem feminina da casa, o designer caprichou nas formas. Claro; quem não quer carros desses pilotar? E candidatos haviam muitos e eu que nunca fui piloto de corridas, retirei-me da pista. Bem, você sabe que as mulheres ficam intrigadas, sabendo da qualidade que lhes é reconhecida por todos, ver um marmanjo não entrar na corrida, no caso retirar-se, e foi essa situação de intriga que lhe levou a render-se face a este jovem de prendas várias principalmente as físicas. Aviso-lhe que não é nenhuma auto avaliação. E daí resultou uma relação que durou o tempo que durou, porém os destinos nos levaram a caminhos bifurcados, todavia longe de mim saber que havia sobrado nas papilas gustativas da dama, uma espécie de travo sabor agradável, bem semelhante ao whisky ou a cerveja, conforme o caso de deleite alcoólico. Em resumo, viciei a moça. Ficou mindependente.

Os tempos foram correndo na sua inexorável marcha, sem tempo de se ocupar dos problemas de cada um, como é normal. Num desses acasos da vida, encontramo-nos, encontro marcado por um cumprimento efusivamente festivo, com a ânsia de em pouco espaço de tempo, dizer tudo que fizemos e fomos, fazíamos e éramos, como também acabamos lembrando os velhos tempos. Porém do que éramos, trazíamos uma marca comum: relações afectivas desastrosas com filhos a mistura. Eu fui desnovelando os contornos da minha experiência com a pueril ingenuidade dos anos de juventude. Ela seguiu-me os passos com a intenção já planeada de, pelo destino tão semelhante, lhe parecer que no fundo o Ser superior nos tirava da bifurcação, e atirava para unificação. Naquele jeito peculiar de mulher, a princípio subtil, posteriormente mais literalmente expresso, a vontade de querer juntar os trapos ou os lençóis. Só que eu, feliz ou infelizmente, retive do meu pai, que erro nenhum deve ser repetido, e como a minha tentativa de vida em comum classifiquei-a de erro, longe de mim repeti-lo. E ela com a calma e a esperança no ditado, que a insistência e persistência acaba sempre ganhadora, foi fazendo-se ao piso. Debalde o esforço. Frustrada, mas não vencida, desenha a última cartada. Um desses dias, recebo um telefonema dela, Onde estás?, pergunta-me, e eu, Por aqui, respondo, e ela, Olha comprei um carro novinho em folha, importado directamente da Alemanha, quero mostrar-te, com a intenção expressa de com ele poder conseguir convencer-te a casares comigo. Ri-me à brava com a tirada e respondi-lhe perguntando, Queres encarrar-me?, já que as outras engarrafam. Rimo-nos como bons amigos que somos. Pena foi que ela não tenha insistido, teria esquecido os conselhos do velhote. Por ela, não pelo carro.


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(*)Engarrafar é o termo popular que tenta designar uma crença baseada no facto de que há mulheres que, nos feiticeiros ou curandeiros, tratam homens resistentes e/ou avessos ao casamento de modo que se curvem a vontade delas, não poucas vezes, feitos gato-sapato.





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