Translate

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Os adversos favoráveis à personalidade equilibrada


Por: Lo-Chi



Houve dois momentos negativos, se assim se pode chamar, na minha vida, que tiveram um resultado positivo, no conjunto da minha personalidade ou mesmo do meu carácter. O primeiro foi o facto de, as primeiras namoradas que tive e as quais a minha mãe tomou conhecimento, ela ter afirmado taxativa e repetidamente: eu não sei como essas miúdas se apaixonam por um gajo feio como tu! Levei a sério com tal magnitude, que de todas as vezes que eu entrava num flerte bem sucedido, sempre pensei que fosse, ou por uma sorte de todo tamanho, ou pelo mau gosto da miúda. Outro momento, este devido, quiçá a sorte, ou o destino, ou a mim próprio, foi quando tentando contrariar o meu pai, que queria à viva força que eu me tornasse músico, onde aprendi piano durante quatro anos, desertei logo que tive a oportunidade, pelo mero gosto de contrariar **, com tal determinação que hoje não sei, onde se situa a tecla do dó e quantas claves existem, menos ainda quantos compassos fazem o universo musical. As colcheias troco com colchões as fusas confundo com fusos, não sei se com fusos horários ou se parafusos. Olhar para aqueles hieroglíficos da pauta musical, está igualzinho o olhar para um relatório em chinês japonês ou língua árabe.

Note-se que jamais me senti, rejeitando-me, olhava para o espelho e a imagem agradava-me, satisfeito comigo mesmo, porém na dúvida de que provavelmente não fosse do padrão que a maioria feminina estivesse inclinada a gostar, induzido pela repetida afirmação da minha mãe, que diferentemente das mães corujas, aplicava uma dose cavalar de salutar realismo ao seu filho. Encerrava em mim, por natureza inata, um autêntico narcisista. E acho que a minha mãe intuitivamente apercebeu-se. Como médica preventiva, impôs-me uns alertas, que me punha com um pé atrás. Satisfazia-me plenamente, todavia sem saber se satisfazia a clientela. Talvez isso fizesse com que, até a minha idade dos dezoito anos, não estivesse muito inclinado a expor-me e pouco atreito aos desafios. Desse jeito a minha inata propensão para auto satisfação e convencimento, foi refreada.

Quando num contexto extremamente adverso e preconceituoso, começo a ter sucessos atrás de sucesso, contra personalidades de créditos firmados, começo a ficar claro que o produto era de muito boa qualidade e que recomendava-se. Mas aquele polícia, sempre alerta, que a minha mãe fez questão de implantar na minha mente, sempre me chamou, para refrear os ânimos, e desse jeito, assim se fez este humilde e equânime cidadão.

De vez em quando, olhando para a nossa realidade, vejo indivíduos, porque a natureza lhes conferiu alguma vantagem estética, fazendo e desfazendo; como alguns com habilidades criativas no capítulo de som harmonioso, enfatuados (isso citando exemplificativamente essas duas áreas, mas extensivas a outras qualidades e ou habilidades); penso com os meus botões, quanto eu não seria insuportável, se a minha mãe não tivesse desempenhado um papel formidável, e se eu tivesse aliado, a minha incontestável vantagem estética fisiológica, com a capacidade de criação e/ou interpretação musical que o meu querido pai pretendia conferir-me. Sabemos que os músicos pela circunstância de excepcionais, normalmente são pessoas cheias de si. Acredito que seria um ser insuportável. Sou o que sou, graças a minha mãe a preservar-me da soberba, com uma dose um pouco exagerada, que se não fosse a minha dose exagerada de amor-próprio, quase me paralisava, e por outro as mulheres da minha vida a aquilatarem-me devidamente, fazendo o justo contra-peso. Por isso a minha eterna gratidão as mulheres. Hoje todo o sucesso que alcanço, fruo com a humildade mínima aconselhável. Bem haja, a minha mãe!!!

** Hoje, algumas vezes, até sinto aquele gostinho amargo do arrependimento, aquela invejazinha, vendo alguns exímios artistas; talvez fosse um deles. Outras vezes, arrependo-me, no benefício da dúvida, de não ter dado ao meu pai o gosto de ter um filho que o seguisse na vocação musical.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

O meu lamento tardio e cúmplice


Por: Lo-Chi



O que fiz do meu país?! Os direitos humanos prevalecem às obrigações humanas. O país que eu fiz, as crianças têm menos prerrogativa de beber um copo de leite comparativamente ao bêbado, cujo álcool, com incentivos fiscais, se dissemina a preço de banana, enquanto que a criança se priva no preço do seu subalimento.

O meu papel de educador, cómoda e indevidamente, outorguei, furtando-me do meu dever fundamental e básico, passando uma procuração de plenos poderes, às instituições cujo papel é complementar, mas mesmo esse, de uma incompetência assustadora. E na vez de mimar, virei permisso, e os valores e os limites, se confundiram com escravidão; e aboli-os. Aboli-os tão levianamente, que na vez de filhos criei monstros. O que fui fazer? A tal instituição a quem outorguei a educação, deseduca. Subcontratou a penitenciária que virou faculdade. Faculdade da malandragem, essa mais produtiva, na quantidade e qualidade. Em vã expectativa, surgiram as privadas, que não só transmutaram tunchagamoyos, como nível básico das penitenciárias. Estou pesaroso do meu país, mas fui eu que o fiz. A cada dia vejo alunos aos magotes, regressando das aulas, na vez de exibirem garbosamente civismo, portam-se à altura dos mais grosseiros arruaceiros, onde em palavrões, vão tendo conversas, que fazem o gáudio dessa manada, pastando e regurgitando mal-criação, tendo de sobremesa as meninas que indiferentes fazem da moléstia galanteio. Os professores esses então, dão-me o desabono de recordar, que algum dia exerci essa profissão.

O que eu fiz do meu país, fi-lo na passividade cómoda e cobarde, onde profissionais competentes, para terem vida decente, tem que se prostituir com a política. Política profícua de  parlamentares aldrabões submissos coniventes, ministros cadongueiros em boladas das mais descaradas. Vendem madeira a preço de lenha, assinam contratos com eles próprios. Projectam actividades com custos dos olhos do povo, saem bestialmente ricos, pedindo investimento, investem  lá fora. O país que eu fiz, desacredita a própria Constituição, onde a agricultura é o motor, mas sem combustível, nem acessórios, constrói pontes desnecessárias, quando o pouco que se produz, engasga-se no campo.

O que fiz do meu país. Um soba supostamente respeitado está envolto numa gravíssima suspeição de falta de pontaria na aplicação dos bens públicos. Altos dignatários do país, na vez de promoverem os empresários feitos, no sucesso do seu honesto esforço, cantam hossanas aos empresários de esquema e do submundo, com histórias por demais contadas e reconhecidas. O país que eu fiz, o ladrão tem mais direitos que o honesto trabalhador. O ministro virou arguido, o juiz é julgado, tribunais supremos não dominam a legislação, o ladrão persegue o polícia, o polícia insegura, a procuradoria umas vezes se esconde outras vezes procura-se, a assembleia deslegisla, o estado deixou de estar, ausente se fez. O país  que eu fiz é um estado de direito, um direito torto, empenado e opressor. Eu sonhei com um Estado de justiça e de amor, um Estado trabalhador e não parasita.

No país que fiz, permiti, que os senhores da guerra, contaminassem a sociedade, a tal ponto, que esta perdeu os valores queridos da nossa tradição moçambicana: solidariedade, respeito, humanismo, trabalho, valorização da mãe natureza. Os jovens adversários políticos, odeiam-se, de adversários alquimizaram-se inimigos, como os seus progenitores. Os senhores subverteram com a sua matriz financeira a tal jeito, que mesmo nos pontos supostamente de reserva moral, se esgotou e tudo se mercantilizou e virou um dumba nengue de tráfego de influência, de crime: infantil, humano. O país que eu fiz, as religiões combatem a tradição e cultura, a nossa essência; trazem o negócio do dízimo, sob o olhar impotente da ignorância de todos nós e dos senhores, adoram o deus que eles criaram, e não creem no Deus que criou o homem.

O país que eu fiz, quer ligar a África, quando ele próprio não se ligou. A estrada nacional numero 1, nunca foi, está sempre adiada. A agricultura que produz no mínimo, o máximo fica no campo, apropriada pelas estradas e pontecas, firmemente intransitáveis. O meu país não se abriu a si mesmo, e quer-se abrir ao mundo. O meu país ao avesso, a estrada para a praia, teve direito a uma mega ponte, inflacionada, e asfalto, para que não se ferissem os 4x4 da gangue. Pior que tudo, o meu país nunca se aceitou, rejeitando uma parte de si, aceita os outros e seus desvalores. Esse é o meu país, o país que eu fiz!


NA: Esse lamento não é meu, é nosso. Eu e tu, que te sentes defraudado. Por outro lado grato, as honrosas excepções, na esperança de que amanhã façam a diferença.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

É político e basta


por Lo-Chi


O Muaqueliua, um sujeito de estatura média a tender para o baixinho, tez adornada de jambalau, introspectivo, pouco metido a socialização e a brincadeiras do nosso tempo juvenil, arisco, parco em palavras. Foi meu colega de turma, na Escola Técnica, no curso comercial. Comigo convivia, quase no limite da tolerância, quando, fortuitamente, eu metia-me com ele, e era aí, que no seu sotaque de lomwé da alta Zambézia, me dizia quase a repreender, Não sei como aduras esses waides?, com um ódio mesclado com fel. Mas no fundo, era um sujeito bom, fora esse radicalismo, talvez determinado pela sua origem, marcada de sofrimento e carestia. Inteligente e aplicado nos seus deveres, e não poucas vezes voluntário para esclarecer dúvidas à turma, principalmente de Matemática e Calculo Económico, duas disciplinas, que eram o seu forte.

Depois de um longuíssimo período de separação, no qual jamais tivera notícias, eis que afortunadamente, num acaso, aparece-me o Muaqueliua, e como é comum nesses acasos, foi uma festa e tantos. Mas logo à seguir a efusividade, antes mesmo de recordarmos os factos antigos e de perguntarmos pelos colegas comuns, ele atira-me com a pergunta de chofre, És político?, com a maior das naturalidades, disse-lhe, que o que mais gostava, era estar distante desse departamento, porque não nascera talhado para essas coisas. Ele mais não disse sobre a questão; nem bem nem mal. Daí saiu o rolo de recordações, desfiadas com aquela característica comum, de rever o passado, com dados verdadeiros, outros ficcionados, coisas que o tempo acaba criando e modelando na memória. Depois disso, fomos falando do presente, onde acabou informando que havia chegado para ficar, transferido, e com intenção de por aqui se radicar. Trocamos números de celulares, endereço das casas, com uma data marcada, para a primeira refeição de confraternização. Noto no final do encontro, que ele se havia libertado do sotaque característico do lomwé.

Desse dia em diante, passamos a encontrar-nos com muita frequência, adaptada a nova circunstância de indivíduos com família. Porém, uma singularidade marcou os nossos convívios, posto que eu tinha outros amigos, que de quando em vez, nos encontravam, e eu fazia por apresentá-los. Quando adivinhava isso, a primeira coisa que me perguntava, era, Esse teu amigo é político?,  e consoante a resposta, ele tinha um comportamento, diferente. Se a resposta era negativa, ele era um homem afável, conversador, se positiva ou se na dúvida, ele tornava-se esquivo, arredio, fazia por não dar o nome, ou se fosse obrigado, mentia ostensivamente, até pensei, que sequelas daquele radicalismo dos tempos de escola que persistia nele. Acredito que, para evitar equívocos, acabou abrindo o jogo e disse-me de caras, Meu, dos teus brothers, os que forem políticos, por favor, não me apresentes, ou avisa-me com antecedência, que retiro-me da área, até que o terreno fique limpo. A partir desse momento, percebi claramente, que ele tinha uma profunda alergia aos políticos, e encontrei a lógica daquela sua pergunta, à queima-roupa, no primeiro dia do nosso reencontro. Em face disso, começamos uma discussão em torno do exagero, de um posicionamento completamente radicalizado, onde eu tentava demonstrá-lo, que os políticos maus eram, porque eram más pessoas, bem como havia indivíduos não metidos na politica e/ou em partidos, que eram pessoas péssimas. Ele, peremptório, rematou-me, como contra-argumentação, dizendo-me, Meu não estou a falar de excepções, mas de regras, ainda tentei contrapor, E como é que ficam as expções injustiçadas, achas que todos têm que pagar por alguns?, e ele veemente, Excepções são excepções como a própria palavra define, e eu neste caso de políticos, sigo escrupulosamente a regra, respirou um pouco olhou-me bem nos olhos e continuou, é tão fácil um miúdo de boas famílias, bem educado, estragar-se, metendo-se na política, quão difícil é encontrares um político honesto, coçou a nuca e continuou, o politico é mau, é aldrabão, é pernicioso, é contagioso, falava com um quê de raiva e ódio. Aproveitei a deixa, para recordar a máxima dos anos 75, no nosso tempo de escola e rematei-lhe, Todo mundo é político, porque mesmo quando dizes que és apolítico, estás a ser político. Ele muito rápida e causticamente, com um azedume de arrepiar, Mano isso é papo de político, que sabe que está na lama, e como não gosta de estar sozinho, tenta arrastar todo mundo, com essa filosofia de meia tigela. A discussão ficou por aí, continuamos, em outros assuntos, porém eu, internamente, estabelecendo um paralelismo, do radicalismo dele em relação aos colegas de raça branca, daquele então, e o seu ódio visceral aos políticos. Passaram-se alguns anos, e fora do que ele havia previsto, foi de novo transferido para uma outra cidade, e continuamos com o nosso contacto, trocando mensagens e alguns telefonemas, em datas ou assuntos, que assim requeriam. Estava tudo soterrado no tempo, quando se dá o caso da detenção, na África do Sul, do nosso ex-ministro das finanças e a suspeição envolta de grandes figuras no mesmo caso. É então, que fora das minhas contas, recebo, o telefona do meu amigo, sem cumprimentos sem nada, Alô, digo eu, Estás ver os políticos, qual deles é que tinhas na excepção? Esses não valem o dejecto que defecam, regista!, disse seco; e eu apanhado de supetão, autómato, retorqui, Exaltemos a pátria**, falei sem saber o que significava: se lhe estava pedir compreensão, se a mandá-lo à m.r.da, ou aos políticos!


** a frase da moda nos dias recentes em Moçambique, após as cerimonias de 3 de Fevereiro, dia dos heróis. Expressão que quer dizer tudo e nada, que serve essencialmente, quando a pergunta te toca, e tentas esquivar.