por Lo-Chi
Não conhece esse verbo, nem tão pouco é uma corruptela
por pronunciamento no sotaque do sul de Moçambique, os quais têm problemas
sérios com o erre e as sílabas anasaladas. É um verbo da minha autoria, que vem
por similitude com uma situação bem conhecida, bem das bandas de Nampula, na
relação homem mulher. Adianto; você decerto já ouviu falar do termo
engarrafar(*).
Nos meus frescos anos de juventude, conheci uma mulher
que era um cavalo. Um cavalo de tróia, dizia eu. Nesse então, entrei na corrida
de domar sentimentalmente a cavalona. Não se atrapalhem que esses substantivos
e adjectivos animalescos, na nossa gíria de então, nada tinha de pejorativo,
mas tinha sim o condão, na nossa linguagem, de diferenciar uma mulher de beleza
normal, daquelas esculturalmente de parar o trânsito. Agora que esclarecidos
estamos, volto aos tempos de antanho. A cavalona, na altura uma poldra, era um
mulheraço precoce, levando as linhas femininas da família. Porque aqui impõe-se
outro rápido parêntese, vamos dizer que, da linha de montagem feminina da casa,
o designer caprichou nas formas. Claro; quem não quer carros
desses pilotar? E candidatos haviam muitos e eu que nunca fui piloto de
corridas, retirei-me da pista. Bem, você sabe que as mulheres ficam intrigadas,
sabendo da qualidade que lhes é reconhecida por todos, ver um marmanjo não
entrar na corrida, no caso retirar-se, e foi essa situação de intriga que lhe
levou a render-se face a este jovem de prendas várias principalmente as
físicas. Aviso-lhe que não é nenhuma auto avaliação. E daí resultou uma relação
que durou o tempo que durou, porém os destinos nos levaram a caminhos
bifurcados, todavia longe de mim saber que havia sobrado nas papilas gustativas
da dama, uma espécie de travo sabor agradável, bem semelhante ao whisky ou a
cerveja, conforme o caso de deleite alcoólico. Em resumo, viciei a moça. Ficou
mindependente.
Os tempos foram correndo na sua inexorável marcha, sem
tempo de se ocupar dos problemas de cada um, como é normal. Num desses acasos
da vida, encontramo-nos, encontro marcado por um cumprimento efusivamente
festivo, com a ânsia de em pouco espaço de tempo, dizer tudo que fizemos e
fomos, fazíamos e éramos, como também acabamos lembrando os velhos tempos.
Porém do que éramos, trazíamos uma marca comum: relações afectivas desastrosas
com filhos a mistura. Eu fui desnovelando os contornos da minha experiência com
a pueril ingenuidade dos anos de juventude. Ela seguiu-me os passos com a
intenção já planeada de, pelo destino tão semelhante, lhe parecer que no fundo
o Ser superior nos tirava da bifurcação, e atirava para unificação. Naquele
jeito peculiar de mulher, a princípio subtil, posteriormente mais literalmente
expresso, a vontade de querer juntar os trapos ou os lençóis. Só que eu, feliz
ou infelizmente, retive do meu pai, que erro nenhum deve ser repetido, e como a
minha tentativa de vida em comum classifiquei-a de erro, longe de mim repeti-lo.
E ela com a calma e a esperança no ditado, que a insistência e persistência
acaba sempre ganhadora, foi fazendo-se ao piso. Debalde o esforço. Frustrada,
mas não vencida, desenha a última cartada. Um desses dias, recebo um telefonema
dela, Onde estás?, pergunta-me, e eu, Por aqui, respondo, e ela, Olha comprei
um carro novinho em folha, importado directamente da Alemanha, quero
mostrar-te, com a intenção expressa de com ele poder conseguir convencer-te a
casares comigo. Ri-me à brava com a tirada e respondi-lhe perguntando, Queres
encarrar-me?, já que as outras engarrafam. Rimo-nos como bons amigos que somos.
Pena foi que ela não tenha insistido, teria esquecido os conselhos do velhote. Por
ela, não pelo carro.
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(*)Engarrafar é o termo popular que tenta designar uma
crença baseada no facto de que há mulheres que, nos feiticeiros ou curandeiros,
tratam homens resistentes e/ou avessos ao casamento de modo que se curvem a
vontade delas, não poucas vezes, feitos gato-sapato.