por Lo-Chi
Crónica, cuja definição e integração me escapa, mas com a percepção de que
é um género que se indefine entre o literário e o jornalístico, desde cedo me
cativou. E mais do que as notícias, eram as crónicas o móbil da minha ligação
com os jornais e as revistas semanais, como por exemplo, o jornal Notícias, na
altura, e a revista Tempo, e mesmo hoje com os hebdomadários, elas continuam
sendo o meu atractivo primeiro. Desde cedo, lia-as; e aquelas que me
surpreendiam, eu as recortava e punha-as num arquivo pessoal; de tempos a
tempos revisitava-as.
Já não me recordo o nome da coluna, porém registado o do colunista cuja graça,
Nuno Bermudes, foi um dos responsáveis pela meu gostar por este género de
expressão, e sempre, quando abrisse o Notícias, eu corria a sua coluna. Recordo-me
da primeira que li, uma crónica de viagem a Ponta de Ouro, e que me marcou
indelevelmente. Essa crónica falava de uma viagem atribulada, cujas condições
do terreno eram tão péssimas, que quando ele chegou ao destino, e foi fazer o
inventário aos orgãos internos do seu corpo; assustou-se, porque o coração não
estava no seu lugar, na vez dele encontrava-se os intestinos, quando procurou
pelo pâncreas estava no lugar dos intestinos e o coração no lugar do fígado. Essa
crónica marcou-me definitivamente pela imaginação e criatividade. E quiçá, foi
quem me levou a uma paixão desmedida às crónicas. E a partir daí, fui entrando
em outras como por exemplo, uma outra coluna semanal, do mesmo jornal designada
“Zambézia de lés-a-lés”.
Aerosa Pena, considerado por muitos como o ícone desse
género, em Moçambique, talvez o tenha lido na revista tempo. Porém a minha relação
consciente, próxima, com ele, de cronista e leitor, foi definitivamente no seu
livro, que figura no meu escaparate, cujo título é “O cronista”.
Sauzande Jeque e a sua coluna, semanal, “Mirante do Zambeze”,
abraçou-me no primeiro contacto, pela forma mui sui generis de
escrever, quase mantendo aquele rítimo, que faz adivinhar o sotaque nhúnguè. Primeiro
li-o e depois fui ouvindo-o na Rádio Moçambique. E a crónica que me pôs
extasiado perdia-a. Vou à Tete, numa viagem programada para o Malawi, naquelas
famosas colunas que partiam de Moatize e terminavam no Zôbuè. Sou apresentado
ao Sauzande e não sou capaz de ficar imune a expressão confessa de frustração,
que sentia por ter perdido a crónica dele, que eu mais gostava. Afirmação que
era apenas e simplesmente uma expressão de frustração, e simultaneamente
manifestação de contentamento de conhecer o cronista, de quem admirava. Qual
foi o meu espanto, quando do regresso do Malawi, ele naquele seu jeito, me traz
uma cópia dactilografada, e oferece-me. E é com agradável prazer, que tenho as
suas crónicas hoje reunidas em livro o qual muito gentilmente autografou. Vou
acompanhando-o no seu “Devezenquandário”.
Fernando Manuel, o primeiro contacto que tive com ele,
foi não como cronista, mas como pessoa, precisamente em Quelimane, quando com
um problema de visão, ele vai a mesma, em busca de tratamento, porque naquela
altura, estava um médico cirurgião oftamologista, indiano, cuja fama
ultrapassava os limites da província da Zambézia e atrevia-se a chegar a
capital. Foi assim que vi e conheci, em casa de um amigo comum, aquele que
seria um dos meus cronistas de eleição, fora dos paradigmas, irreverente,
linguagem umas vezes assepticamente arruaceira, (transportando-me ao Jorge
Amado) autêntica, corajosa, completamente livre e despudorada e simultaneamente
pitoresca. Quando compro o Savana uma das minhas miras é ler este cronista.
Arune Valy, os meus cruzamentos com ele sempre foram
exclusivamente através das ondas cartesianas da Rádio Moçambique, onde vai
contando histórias e factos a princípio de Tete, principalmente sobre os
crocodilos do Zambezi e suas diabruras, e posteriormente da cidade da Beira. Não
sei bem, porque carga de água, ele fazia-me sempre lembrar o Sauzande. Nunca
cheguei a perceber bem porquê. Ja não o oiço há um bom par de tempos, por
problema de horários.
Mia Couto, no seu “cronicando” semanal, que virou
livro, deu sem dúvida uma lufada de ar fresco naquele português, língua, muito
português demais, aproximando-a mais do linguajar falado, muito a jeito de
levar o subúrbio ao terreiro do rei, e de certa medida, ensinou-nos a sermos um
pouco mais nós mesmos, pelo menos literariamente.
José Saramago, ele um autor português de uma escrita
muito densa e esotérica, pontuação revolucionária, controverso, de temas
absolutamente irreverentes e ousados, recordo “Evangelo Segundo Jesus Cristo”. Aliás,
até hoje, apesar de ausente terrestre, motivo de polémicas, celeumas e
escarceu, ao mais alto nível político em Portugal. Como cronista, foi para mim
maravilhoso ler o livro “ A bagagem do viajante”, num estilo escorreito, mas
menos hermético ou talvez, menos denso e mais lépido. Com histórias, factos e
análises da vida portuguesa, quando, pelo que transparece, ele labutava como
jornalista.
Helder Muteia foi um dos cronitas, também dos novos
tempos da nossa independência, o qual me levava a comprar o Notícias, no dia
aprazado. Foi óptimo comprar o seu livro, “Nhambaro” e reler “Técnico wa
Mabassa” onde descreve um personagem típico, desenrascador e desenrascado, pau
para toda obra. Do Helder gosto mais dele como poeta. O seu recente livro, “ O
sonho ao avesso” encheu-me as medidas, posto que ele com simples palavras
quotidianas foi maravilhosamente sublime na expressão, revelando-se num
eretismo único. Um livro bem conseguido.
Luís Loforte também foi um dos ímanes semanais que me
atraiu aos jornais. Adorei comprar o seu livro e rever o Inhassunge retratado
no seu livro, “Diálogos do desencanto” compilação das suas crónicas.
Fernando Namora, português, médico de profissão, conseguiu
juntar os conhecimentos e experiência da sua profissão, com a sua
sensibilidade humana, e de uma forma
competente e agradável fazer a simbiose do profissional e do humano, metamorfoseado
no livro “Retalhos da vida de um médico” que me extasiou desde a primeira crónica.
Dessa primeira crónica ficou-me o personagem, que de aluno cábula, salóio, motivo
de chacota, quase um inexistente, que se transforma num profissional matreiro,
com jogo de cintura, estabelecendo conexões, que apesar da sua quase ignorância
e incompetência, sobe alto nos degraus da sociedade. Em resumo, burro mas
esperto, suficiente quanto baste para saber com quantos paus se faz o “sucesso”.
Para além de cronistas, cujo conjunto da obra me
levaram ao outro tipo de apreciação literária, ouve um caso de uma crónica, ao
estilo da primeira que me referi, que me marcou indesfarçavelmente. Não sei
quem foi o autor, sei apenas que estampada numa página da revista Tempo e se a
memória não me falha, acho, se não na mesma coluna, pelo menos na mesma página
da coluna “crónicas de carteira”. Guardei essa crónica como se ouro se tratasse,
porém a mesma inexplicavelmente desapareceu: “O cauteleiro com óculos de aros
de tartaruga”. A história situada no tempo colonial, e na cidade de Lourenço
Marques fala de alguém com aspecto de cauteleiro. No final sabe-se que é um
alferes militar colonial, preto, nascido na Maganja da Costa, o qual entra no
café Scala, e pede um prego no pão bem passado, e daí desenvolve-se toda trama
que termina em cacetes, polícia civil e polícia militar, pide, etc.. Uma épica
história bem urdida, com intensidade e suspense, acredito que inspirada no dia
a dia, do histórico final colonial e as contradições próprias do sistema.
PS: Ciente de que não falei de dois dinossauros, quiçá mais, Heliodoro Baptista e Carlos Cardoso, todavia senti-me sem competência nem estatura para falar deles.
PS: Ciente de que não falei de dois dinossauros, quiçá mais, Heliodoro Baptista e Carlos Cardoso, todavia senti-me sem competência nem estatura para falar deles.
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