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domingo, 3 de março de 2019

A sorte de ter tudo, ou a alegria de ser feliz



por Lo-Chi



Com a hemorragia de quadros logo após a independência de Moçambique, o governo teve que encontrar saídas, com medidas a curto e médio prazo, no sentido de que encontrasse formas de que a produção e a economia não parassem nem colapsassem. De entre as medidas a médio prazo, no âmbito de cooperação com os chamados países do leste, e não só, foram enviados estudantes e potenciais trabalhadores para a então Alemanha do leste. Muitos deles estiveram nas escolas técnicas e institutos, outros foram para as fábricas, integrados nas linhas de montagem de máquinas e equipamentos agrícolas, etc. etc. E estes alunos e operários, que estiveram um tempo considerável, vivendo por essas bandas, acabaram se apaixonando e casando com as mulheres que se lhes atravessaram nas vidas e os corações.

Importa referir que os estudantes que estiveram em universidades ou institutos superiores, chegados a Moçambique, em virtude da gritante falta de quadros, eram muitas vezes levados para projectos em curso, ou empresas já formadas para os quadros de direcção. Os operários, grande parte que estiveram em fábricas, nas linhas de montagens, não encontravam correspondência com as unidades fabris então em funcionamento por cá, e acabavam tendo imensas dificuldades de integração.

Houve meia dúzia de casais vindos da Alemanha, conforme acima referido, que foram parar à cidade da Beira, todos devidamente colocados, posto que vinham das instituições de ensino, cinco deles colocados nos lugares de gestão de diversas empresas, as quais não interessa citar os nomes, e um deles, desafortunado, chegou, depois de um período de trabalho, nas linhas de montagem e obviamente, com dificuldades de integração. Em consequência, ele e a esposa, alemã, foram viver para a Munhava, conforme suas posses, uma das áreas mais críticas da cidade da Beira, onde enfrentaram toda uma série de problemas, circunscritos aos dos bairros limítrofes: saneamento, água potável, acesso precário, falta de energia, as doenças endémicas, etc., etc..

As cinco alemãs, depois de um período considerável de estadia, convivendo com a facilidade que o lugar dos esposos lhes conferia, apercebem-se das dificuldades e condições de vida que a outra tinha, muito por força do contexto difícil em que o seu esposo se encontrava. Compatriotas, sentiram a dor de ver uma das suas em situação deveras deplorável, em consequência reuniram-se para debaterem o assunto e encontrarem formas de resolver o problema. Discutido o assunto, concluiu-se que deveriam trazer a compatriota para a casa de uma delas, e desta consultado o marido, este anuiu, em solidariedade com a dor sentida pela sua esposa e amigas, por verem uma das suas vivendo, o que aos olhos de todos estava claro, era um calvário, tomando em linha de conta as suas origens. Reunido e anuído, lá deram a conhecer a dita cuja, que em face de uma solidariedade espontânea das conterrâneas, apenas agradeceu e fez as malas para viver com a escolhida. E de facto, pode constatar que não apenas as condições eram excepcionais, em relação ao seu presente, bem como a alimentação em tudo diferente, e muito próximo ao que se habituara lá pelas alemanhas. Se nos primeiros dias pode desfrutar dessas condições, após uma semana, sentia um tremendo hiato e depressão, que começou a pôr em dúvida, se teria dado o melhor passo. Ao meio da segunda semana, não tinha dúvidas, mas plena certeza, que o seu lugar não era por aquelas bandas, o que lhe levou a abrir o coração, junto da sua conterrânea benfeitora e afiançar-lhe, perante a estupefacção daquela, que queria voltar para casa do seu marido. E foi clara, declarando-se grata, pelo espontâneo acolhimento do casal, bem como ao tratamento de irmã que fora dispensada, mas que nada daquilo substituía ou afogava a saudade do marido, principalmente nas noites em que se recordava do fausto jantar e ceia que lhe era prodigamente facultada pelos avantajados meios do baixo-ventre do seu querido esposo. Em suma, trocava a sorte de ter tudo, pela alegria de ser feliz.

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