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sábado, 22 de dezembro de 2018

A vitrina da história universal reclamando -os heróis a exaltar

 Por: Lo-Chi



Quando no panteão das palavras os “exegetas” exaltam com jactância e cabalisticamente, alguns poucos heróis, do processo histórico de resistência pré ou proto colonial, e não só, o equívoco está não apenas no julgamento, errado ou intencional, como no resultado nefasto, que fazem da excelsa e suprema realidade comum, uma excepção diminuída e desbaratada. E se na verdade a regra constitui não excepção, lida a história de Moçambique, nos compêndios académicos, como ela se resume oficializada, para além dos espontâneos sinais estrídulos, empurra-nos equivocadamente para uma visão, muito além de reducionista, cobarde, dos moçambicanos, ou das gentes que hoje constituem o que é hoje Moçambique.

Esses sinais estrídulos, porém, vãmente silenciados, não só reclamam a nossa essência heroica e martirizada, como desprezam a redução de heroicidade limitada à meia dúzia de personagens, e outrossim vindicam outras leituras, outras fontes, afinal existentes, que (da maioria passiva, ou assim permite entender, aparece um parco herói), exibem-nos outras realidades bem diferentes. Vasculhando a literatura colonial versada sobre Moçambique, em especial, a parte que outrora chamavam-na de Zambézia, bem mais extensa que actualmente, fui encontrar nos livros de F. Gavicho de Lacerda, por exemplo e não apenas, indicações de reiterados movimentos de resistência aos invasores portugueses, como por exemplo, quando escarrapacha, no livro “Costumes e Lendas da Zambézia, no capítulo com o título “a Zambézia”, nas paginas 20 a 22, referindo-se a uma região designada de Massangano, onde reinava o Bonga, que comandava o seu potentado, que resistiu às diversas forças de Portugal, fazendo grandes vítimas, de entre as quais, em 1888, uma expedição de mais de 500 homens, que fora completamente desbaratada, e apenas sobreviveram 48 militares. Tendo esse resistente sido infringido uma derrota, só após várias tentativas resistidas em diversos combates, pelo Augusto Castilho. Desprezar estes factos e não os incorporar na nossa história escrita nos compêndios académicos das classes iniciais, para que os nossos conheçam a realidade integral dos factos e o nosso espírito de resistência generalizada à ocupação estrangeira, significa um insulto, para além do estralejar, à nossa condição de homens que amam sua terra. Do mesmo autor e no mesmo livro, podemos encontrar referência de resistências, na região do Barué. Num adverso repositório de informações, continuando a leitura circunstancial e enquadramento temporal e adequado, encontrou-se registos de actos de heroísmo dos nossos antepassados resistentes. Do mesmo autor, Francisco Gavicho de Lacerda, no livro, “Os Cafres, seus usos e costumes”, no capítulo “factos épicos e figuras de antanho”, nas páginas 131 a 132, é rico em referências de resistências dos naturais à ocupação, como as referentes à região do Chire, pelos Makololos, bem como dos rebeldes de Massangire em 1884, numa batalha em que puseram os portugueses em sentido, com tal sucesso, que fizeram refém o capitão Vitorino Queiroz, o qual foi amarrado a uma árvore, e em frente as suas rendidas tropas, aquele foi completamente esquartejado. Outra referência do mesmo livro e autor, em 1889, o tenente de armada Eduardo Valadim e o seu companheiro José Tomás de Almeida, foram derrotados em Mataca. Nesse capítulo, também nos dá a conhecer, que no dia 19 de Novembro de 1891, na aringa de Mitand, o tenente de armada João de Azevedo Coutinho, aquele a quem havia os colonialistas edificado uma estátua equestre, na cidade de Quelimane, este e mais 2.500 homens, munidos de armas modernas, encontraram uma forte resistência com tal magnitude, que acabou com o próprio João de Azevedo Coutinho ferido numa perna e a morte de Andrade, Barba Menezes, Carlos Paiva e mais de trezentos homens.

No livro, “Zambeziana, cenas da vida colonial”, um romance trazendo nele alguns factos históricos romanceados, assinado pelo autor Emílio San Bruno, nas páginas 26 a 27, faz referência a processos de resistência colonial por parte dos habitantes da província do Niassa, às investidas do coronel Paiva de Andrade na região de Muofuli, e outras na região entre os rios Panheme e Sanhete, comandadas pelo tenente Victor Cardoso. No mesmo livro na página 198, faz referência a resistência na província de Maputo, na aringa de Massangano em 1858, nas margens do rio Tembe, um capitão e 26 soldados brancos foram postos fora de combate. No que toca especificamente a região da Zambézia, faz referência, nas páginas 27 e 28, a forte resistência do régulo Melaure, representante dos Makololos (vide acima F. Gavicho de Lacerda) nas margens do rio Chire, que “teve a ousadia e arrogância” de rejeitar um pretenso presente do governo português, então representado pelo Serpa Pinto. Mais adiante nesse mesmo livro, nas páginas 73 e 74, também é descrito que no ano de 1892, o exército “dos maganjas” tomaram de assalto, aos portugueses, as regiões do, Licungo, Macuze, Nameduro e o Inhamacurra, onde após um período retomado pelos colonos portugueses, porém escorraçados novamente em 1895, e só retomada pelo Azevedo Coutinho, com um exército de mais de 3.000 homens. Há referência ainda que sucinta, mas evidente, no mesmo livro na página 103 e no seu rodapé, da resistência dos régulos descendentes do Macombé*, este descendente do antigo Imperador de Monomotapa, cuja presença intimidatória para os portugueses, se fazia sentir nas vias para o Barué, Chiôco, Chiranga, Cachomba e Zumbo.

Compulsados esses livros e lidos nas perspectivas adequadas, percebendo os circunstancialismos, deixam-nos a sensação benevolente, da nossa parte, de que a nossa “história” oficial, se séria, ficou, na preguiça ou comodidade, elidida, porque os tantos heróis foram relegados ao etecetera subentendido. E haver, a maior parte deste torrão pátrio, se notabilizado, e em resposta, como se de um crime se tratasse, esconderem essas páginas, rasgando-as sumariamente, ou travestificadamente desapresentadas, fica-se com imensa dificuldade de se imputar, ao malfadado gesto, de miopia. Posto que, lendo-se atenta e analiticamente outros historiadores que não os nossos, que nos deveriam exaltar, encontramos, naqueles que nos espezinharam, um reconhecimento ainda que subvertido, evidenciando o incompreensível resumo dos nossos registos em compêndios oficiais.

No mesmo livro, acabado de referir “Zambeziana, cenas da vida colonial”, evidencia, nas páginas 294 a 295, referências muitas, de resistências às autoridades portuguesas. Mas ficaremos pela insistência ao nome referido de Bonga. Para além da resistência militar, passando pela rebeldia franca, esta que foi por mais de cinquenta anos, desde Bereco chefe da dinastia dos Bongas, à família Cruz. Nesse trecho fica evidente, que o Bonga no seu prazo Massangano, trucidou mais de três expedições militares portuguesas, dando corpo e consistência ao anteriormente referido pelo F. Gavicho de Lacerda.

Continuando a ler a história, na contra-mão oficial, não apenas dos colonizadores, bem como daqueles que fazem a estória oficial, notamos que na vitrina da verdade, o escritor Aníbal Aleluia; insurgindo-se contra a selectividade propositada e de fins pouco ou nada servidores a Moçambique, no livro ”Os habitantes da memória” do Nelson Saute página 35; reclama para a verdade, repondo o facto de a resistência, que chamou de proto nacionalista, brotou no centro e norte, e nunca em Gaza, e que quanto a ele, só se justifica essa tremenda falta de objectividade, um pendor fortemente (este adverbio é meu) tribalista, e que na tentativa de repor os factos tinha em calha um romance de mais ou menos 300 páginas, onde falaria da resistência dos Cótis .

Estas leituras exprobram os nossos diligentes compêndios, que de uma forma fraudulenta, ou incompetente, deixaram em mim a sensação deletéria, com um fim último de ensaiar-se a doutrina de preeminência de uns em relação aos outros, o que só isso pode explicar o cantar-se, quanto baste, um herói, cuja grandeza, não pode em nome da verdade social, ofuscar outros da mesmíssima dimensão, ou talvez, de melhor quilate, com efeitos iguais ou maiores.

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*O livro de Adelino Timóteo “Os últimos dias de Uria Simango” na sua pagina 68, no rodapé, destaca Macombe e Barué como fortes baluartes da luta contra os portugueses, e faz referência que o Isaacman, no seu livro, “Moçambique: ensaios”,considera a Revolta de Barué como sendo uma das percursoras da luta de libertação nacional.



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