Por Lo-Chi
Notícias
há, que quando nos chegam, acabam fazendo coisas que atrapalham a lógica,
tolhendo-nos a voz e embargando-nos o pensamento, de tão inverosímeis se nos apresentam. “ Mano, aconteceu o pior”
foi o intróito da notícia que me deram, para anunciar a morte do meu amigo
Sidique, cuja graça, mais de acordo com o seu registo, Mohamed Sadique Abdul Satar
Adamugy. Se a morte a todos nos confunde, esta sacudiu-me, porque apercebi-me daquilo
que já há muito sabia: andamos aqui de passagem e partimos mais ou menos sem
aviso prévio. Todos sabemos disso, mas fazemos por não entender a verdadeira
dimensão.
As
primeiras coisas que me ocorreram, foram; primeiro que tudo comunicar aos que,
sabia eu, tínhamos uma comum relação, umas da vida académica, outras de proximidades
geográficas que foram determinando encontros e convivências; posteriormente em
virtude da impossibilidade objectiva de poder presenciar a sua última viagem física,
traçar umas linhas e encarregar alguém que podesse em presença, lê-las para o
meu amigo; e por fim, tentar reencontrá-lo ainda em vida, na sua página do
facebook. A primeira ocorrência, não levei a efeito, pelo pragmático pensar, de
que ele estaria lá, mas ausente, e a minha mensagem sendo à ele dirigida, vão
se faria todo esforço comunicativo. A segunda, fiz com algum sucesso de
comunicação. A terceira acção, fí-la no calar da noite, onde para meu espanto,
percebi, que a morte lhe havia anunciado sua proximidade, lendo o post que ele
fez, precisamente as 18,48hrs do dia
anterior ao sucedido: “Como o tempo
passa e nós não nos apercebemos o quão é triste olhar para trás”. Foi o que
ele escreveu, nos seus derradeiros momentos de convívio, na rede social, numa
espécie de solilóquio, a menos de 24 horas do seu vôo para o infinito.
Por
incrível que pareça, não me recordo do primeiro momento em que nos encontramos,
ou melhor dizendo, que nos fizemos conhecidos. A tecida amizade fez-se tal,
diluindo o tempo, ludibriando fronteiras, deixando em nós a convicção que
sempre fôramos amigos. A nossa memória evocativa, diversas vezes se situava solta, no
restaurante Cristal, onde tivemos no balcão almoços de luxo ocasional, num período
de verdadeira deficiência de provisão financeira. Falavas de Pemba como se
tivesses vivido em Quelimane, eu falava do bairro Kansa como se houvesse jogado
o polícia ladrão no Paquitiquite. Apresentaste-me a tua namorada, na sua ausência,
com a qual te casaste e tiveste a tua prole, de tal jeito que, quando em
Nampula nos reencontramos, eu já a conhecia, fazia tempos; e ela com a mesma
naturalidade de velhos conhecidos, recebeu-me. Lembraste, quando fui puxar-te
as orelhas, no periodo em que a paixão deixada na maravilhosa baía, perturbava
o curso normal da aprendizagem, e tu no dilema; a obrigação de continuar e a
vontade de apartar, para o arrimo em outros idílios. Venceu a prudência e a
visão do futuro. Eu recordo-me! Recordo-me, quando tu solidário me trazias
aquele leite da Protal, onde estagiavas Contabilidade por obrigação curricular,
leite esse que supriu as minhas necessidades protéicas e outras, naqueles
carenciados tempos primícios da nossa História. Lembro-me de ti solidário, no testemunho
arriscado daquilo que chamaste o descer supersónico das escadas do prédio
Macau, por conta de diabruras pouco recomendáveis, e tu lá em baixo a minha
espera, para o que desse e viesse. Os provérbios e ditados que eu citava por
conta de meu pai e tu registando indelevelmente na memória, e a espaços, ias refereciando
à propósito. Dos Criadores, as nossas investidas de estudantes esfomeados às
yogurdadas empanturrantes. Os nossos estudos colectivos em que percorríamos a
madrugada com as sebentas as costas, calcorreando, linha a linha, os ditames
professorais ou dos compêndios, desvirginando ignorâncias, arqueolojando
técnicas. Marcou-me; a tua intensidade pueril, o riso autêntico; o chorar
desavergonhado, quando algum precalço te atingia; o desabafar, quando desabavas
nos confrontos da vida. Quantas vezes fizeste de mim o teu confessionário?! Não
foram poucas as vezes que soubeste fragilmente dizer obrigado, por algum gesto,
que por um ou outro motivo te tocasse, desmentindo categoricamente que aquela era
a palavra mais difícil de dizer. Sobretudo, o que me marcou, e marcou-te
também, disso pude dar-me conta, foram as nossas conversas, intermeiadas com os
nossos risos peculiares, tu à meio tom, eu com a minha escandalosa gargalhada. No
todo homem que hoje sou, tem um pouco de ti, aquele pouco fundamental e
estruturante. Houve coisas que pretendíamos levar a efeito em conjunto, não as
conseguimos realizar, não obstante o plano; mas a vida tem destas coisas. Tu,
meu amigo, e amigos tenho-os poucos, foste tão inadvertidamente, que até me
legaste um. Foste; contudo vou continuar a falar de ti, como sempre te esculpi:
aquele amigo louco, com algumas lunares variações comportamentais, mas
autêntico, avesso as luzes da ribalta, na sua um tanto alergia ao protagonismo,
frontal, filosófico, quando a verve lhe vinha a espinha, temperamental é
verdade, mas acima de tudo verdadeiro. Já tenho saudades tuas.
Que
Deus te tenha, e o meu até lá, quando nos reencontrarmos, quiçá em alguma galáxia,
para retomarmos as anedotas, e os nossos insólitos e inusitados da terra. O meu
abraço ao Zeca, que certamente o encontrarás, e diz-lhe que guardo aquela foto
última tirada no seu quintal em Nampula, onde revisitamos peripécias académicas
e os nossos titubeantes passos laborais. Entrementes, fico por aqui a carpir a
minha saudade, fazendo-me falta os nossos espaçados encontros, todavia
importantes, para firmar a amizade que nutrimos sem alarde, com a consciência
de que cada um de nós não era perfeito, e que esses defeitos solidificavam a
relação que se queria imperfeita, porém verdadeira.
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PS:
A despedida é sempre triste. Mais
triste quando sabemos à partida, que ela é definitiva. Somado a estes factores
referenciados, punge a alma, quando se trata de um amigo, não obstante o conhecimento
de que ninguém fica para semente, e sobretudo quando parte para a eternidade.
Neste caso, um amigo com o qual se privou
momentos marcantes da juventudade académica, e com o qual se viveu momentos que
marcaram. Dói, com tal intensidade, que necessita de catarse.
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