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terça-feira, 4 de junho de 2013

Deus é preto


por Lo-Chi


Não faça antecipadamente juízos de valor. Leia, e tire a sua conclusão, diferente ou igual, por sua conta, gosto e risco. Há pouco tempo, li um artigo,  que recebi na minha caixa de email, onde um articulista angolano, Isomar Pedro Gomes, motivado por uma frase estampada no vidro para-brisa, a exemplo dos nossos chapas cem, cuja frase dizia taxativamente: “Deus é branco, anjo é mulato e demónio é preto”. E ele, secundando com os seus argumentos e na perspectiva, dizia que poderia aceitar Deus ser branco, abstinha-se de falar do mulato e decididamente afirmava, depois de diversas demonstrações feitas, na base dos nossos dirigentes a nível da política do continente, que Deus, preto não  era com toda a certeza. A forma como sustentou a sua tese, dá-lhe toda autoridade para conclusão tão nos desfavorável.

Quando olho para a África, continente negro, terra de origem de nós pretos, e noto que no contexto mundial, tem como característica ser um local onde todas as religiões confluíram e confluem: budista, muçulmana, hindu, cristã, animista, sem falar das meras oportunistas comerciais, etc. etc., e convivem numa harmonia pouco comum, obriga-me a reconhecer o espírito de tolerância e de harmonia própria deste povo. E mais, a presença de muito Deus, ou melhor de muitas manifestações divinas em nós; só podemos ser filhos Seu.

A África, expressão de vários conflitos, motivo de várias cobiças, berço de várias lutas muitas com proporções des-humanas, nesse ângulo a presença inequívoca do diabo, tentando é evidente. E costuma-se dizer onde Deus está, o diabo idem, para poder frustrar as intenções de salvar a vida humana, para além do carnal ou material, como se quiser designar. Mas o preto vai sobrevivendo, as investidas do diabo, mas como mártir. Um mártir sem rancor. Que se expressa em diversas formas, uma das quais, a forma como se relaciona com o seu antigo colonizador, que antes o torturou, vilipendiou, quis reduzi-lo a quinhentas, mas ultrapassou, e recebe-o hoje bastas vezes, na aflição em que a Europa está fustigada, com os braços abertos, num amplexo de irmão. E mártir assim, só pode ser filho de Deus.

Na África, todos os dias se dão milhares de milagres, famílias enormes com salários de miséria, condições de sanidade; ambiental, humana, mental indescritíveis; vivendo. As unidades sanitárias que deveriam ser o centro de mitigação e ou solução dessas carências, encontram-se muitas vezes sem o básico de medicamentos. Acresce-se as humilhações de toda espécie e feitio, que a população tem de passar. E o negro vai sobrevivendo. Vai sobrevivendo com um sorriso nos lábios, sempre cantando; na dor ou na desgraça. E esse sobreviver, onde vai inventar forças para o efeito é algumas vezes assustadoramente surpreendente.  Só pode ser por milagre de Deus. Quando olho para as contrariedades que a vida desse povo traz as teorias científicas e técnicas, como carros podres viajando com montes de pessoas, sem acidentes e sem avarias, por aí além, aviões em condições precárias, no estilo de chapa cem, voando sem quedas de monta, pontes e prédios tecnicamente falidas, porém sobrevivendo a previsível queda, de tão carcomidas as estruturas, contudo sólidas como as de manutenção regular, autênticos milagres de sobrevivência, só pode ser obra de Deus. Deus está na África, Deus é africano.

Estava eu, certo dia, aflito e fui ter com um médico amigo, estrangeiro, que atendendo ao meu grito de aflição, sai do seu gabinete para me receber e no entretanto, estava saindo o seu doente acabado de ser atendido. E ele disse-me: estás a ver aquele senhor, que vai ali. Tecnicamente está quase morto. Mas vê, ele vai andando normalmente com os seus próprios pés, sem tonturas, sem nada. E eu espantado perguntei, Porquê?, e ele, Num outro sítio do mundo, ninguém acreditaria. Ele tem dois de hemoglobina. Isso só pode ser milagre. Não sei se referiu-se ao milagre com intenção ou não, porém estava tentando retratar a enormidade do facto.

Senhores tanta protecção; ao que sofre, mas canta; debilitado, mas vive normalmente; vilipendiado tão recentemente, mas perdoa, quase de imediato; meus senhores, Deus benevolente, só pode ser preto. O articulista do texto que me referi no primeiro parágrafo, decerto confundiu políticos com população. Agora, quem quiser adjectivar o termo político que o faça. Eu não; que o diabo anda aí, à solta.



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