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domingo, 13 de agosto de 2017

Uma ditadura fruto duma democracia


Por: Lo-Chi
Fotos do Google

Se procurarmos o conceito de ditadura, no que diz respeito aos sistemas governativos, para daí inferirmos no tema em questão, encontraremos esta definição sintética tirada do dicionário que diz; é um governo que o poder executivo absorve o poder legislativo ou o dispensa. Deste conceito, não obstante outras matérias consideradas na definição mais completa, pode depreender-se que aparentemente, fica o judicial fora da alçada. Outrossim, tirado da lógica filosófica do sistema, o governado em momento nenhum é consultado, nem directa nem indirectamente. Em consequência, este é impelido a executar o que se determinou, muitas vezes sem entender causas, motivos e afins.


O nascimento é uma ditadura, fruto de duas vontades democráticas. E todo o resto se desenvolve na imposição de vontades, num único sujeito. Se nos iludirmos, parece que os espermatezóides movimentam-se  por livre e espontânea vontade,  de tão céleres que saem.  Pura falsidade, ou crasso erro. A pergunta que se põe e com clara razoabilidade, é: alguém sai onde se sente bem? E pior ainda, se tivermos em linha de conta, aquilo que é hoje a vida terrena. Para tão pacatos cidadãos da colhoenêzia ou testicolândia, deiam o nome que vos aprover, só pode ser fruto de algum fenómeno que os impulsiona. Quanto à mim, saem fugidos de um uma tempestade de calor, aliado a um tremor dos testículos, daí o nome do micro-planeta, determinando aquele corre corre de salve-se quem poder, acelerados desalmadamente, sendo a competição tão acérrima, que algumas vezes, dois ou três aportam em simultâneo a mesma e única ilha disponível, o óvulo; e aí formam-se os gêmeos. Outras vezes, não sendo o mais rápido, porém apanhado na crista da onda do esperma, qual um tsunami invadindo praias, impele o cidadão espermatezóide para o óvulo, no qual cai desmaiado. Só isto explica, a chegada primeira ao óvulo de deficientes congénitos. Registe-se que todo este cataclismo acontece fruto de “duas vontades”, que não consultaram esses habitantes, em momento nenhum, expulsando-os das suas habitações, um dos quais aporta a suposta Ítaca da Odisséia de Homero, feito um Ulisses desventurado sem noção.


Chegado, convencido que em porto seguro, e de tão ofegante da correria, à princípio, não nota o quão quente é o local, o que com o andar dos tempos é-lhe imposto, para além de uma adaptação, as  alterações pertinentes. Metamorfoseia-se feto. Aí recebe uma nova moradia temporária, o útero, onde na impossibilidade de o fazer, é-se alimentado por um pipeline chamado cordão umbilical, no qual nem sequer tem direito ao cardápio, vai comendo ao belo prazer de um ser desconhecido, feito prisioneiro em cela disciplinar. E de quando em vez, vai recebendo umas visitas nocturnas, supõe, que lhe acena, numa hesitação caracterizada, num vai e vem típico de indecisão. E para além de indeciso é mal educado, e decerto sabem porquê, não me ponham aqui a especificar razões e motivos. Exponencialmente agigantado, o feto já não cabe no cubículo,  pelo que sujeita-se a uma nova expulsão, desta feita, para além de não democrática, oprimente. Vê-se obrigado a pirar por uma saida estreita, depois de muito sofrimento, e como se não bastasse é recebido aos tabefes. Destino maldito, pior sorte não lhe poderia caber.


Recebido e festejado, sem que o sujeito tenha participação ou vontade, vai sendo no transcurso do tempo, amestrado, de modo a que, se adeque comportamentalmente aos preceitos da dita sociedade, e com efeito, algumas coisas vai sabendo, e já na idade juvenil, quando vai acelerado e convencido que é dono do seu nariz, vem o paizinho que lhe prega esta, situando-lhe no sistema claramente: ”Querido filho, enquanto viver nesta casa você vai ter que obedecer as regras.” pressupõe-se menor de idade: etária, económica e financeira, “Aqui não governa a democracia”, do ponto de vista do oprimido, desnecessária essa advertência, já que conviveu permanentemente com a ditadura, e sabe disso, “ não fiz campanha eleitoral para ser seu pai”, tenho quase a certeza que o puto fica com a mesma vontade de perguntar, e eu para ser seu filho?, “ nesta casa, fará o que eu digo e não deve me questionar, porque tudo o que eu fizer, está motivado por amor*. Mal sabe o pai que tudo que o filho quer, nesse instante, é ser pai, ou melhor livrar-se da ditadura, ou melhor ainda, ser democrático ditador.

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P.S.: Qualquer semelhança com a nossa cena politica é mera coincidência.

* texto tirado  numa das redes sociais e que é  atribuido não sei à quem, mas que me pareceu uma quase fotocópia ao que eu ouvi do meu pai, e que repeti exactamente ao meu filho. Ditaduras da educação, que estão provando ser mais eficientes e eficazes que alguns modelos actualmente propalados —na visão de  pai e não do narrador.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Palavras de desencanto


Por Lo-Chi



Notícias há, que quando nos chegam, acabam fazendo coisas que atrapalham a lógica, tolhendo-nos a voz e embargando-nos o pensamento, de tão inverosímeis  se nos apresentam. “ Mano, aconteceu o pior” foi o intróito da notícia que me deram, para anunciar a morte do meu amigo Sidique, cuja graça, mais de acordo com o seu registo, Mohamed Sadique Abdul Satar Adamugy. Se a morte a todos nos confunde, esta sacudiu-me, porque apercebi-me daquilo que já há muito sabia: andamos aqui de passagem e partimos mais ou menos sem aviso prévio. Todos sabemos disso, mas fazemos por não entender a verdadeira dimensão.


As primeiras coisas que me ocorreram, foram; primeiro que tudo comunicar aos que, sabia eu, tínhamos uma comum relação, umas da vida académica, outras de proximidades geográficas que foram determinando encontros e convivências; posteriormente em virtude da impossibilidade objectiva de poder presenciar a sua última viagem física, traçar umas linhas e encarregar alguém que podesse em presença, lê-las para o meu amigo; e por fim, tentar reencontrá-lo ainda em vida, na sua página do facebook. A primeira ocorrência, não levei a efeito, pelo pragmático pensar, de que ele estaria lá, mas ausente, e a minha mensagem sendo à ele dirigida, vão se faria todo esforço comunicativo. A segunda, fiz com algum sucesso de comunicação. A terceira acção, fí-la no calar da noite, onde para meu espanto, percebi, que a morte lhe havia anunciado sua proximidade, lendo o post que ele fez, precisamente as 18,48hrs  do dia anterior ao sucedido: “Como o tempo passa e nós não nos apercebemos o quão é triste olhar para trás”. Foi o que ele escreveu, nos seus derradeiros momentos de convívio, na rede social, numa espécie de solilóquio, a menos de 24 horas do seu vôo para o infinito.

Por incrível que pareça, não me recordo do primeiro momento em que nos encontramos, ou melhor dizendo, que nos fizemos conhecidos. A tecida amizade fez-se tal, diluindo o tempo, ludibriando fronteiras, deixando em nós a convicção que sempre fôramos amigos. A nossa memória evocativa,  diversas vezes se situava solta, no restaurante Cristal, onde tivemos no balcão almoços de luxo ocasional, num período de verdadeira deficiência de provisão financeira. Falavas de Pemba como se tivesses vivido em Quelimane, eu falava do bairro Kansa como se houvesse jogado o polícia ladrão no Paquitiquite. Apresentaste-me a tua namorada, na sua ausência, com a qual te casaste e tiveste a tua prole, de tal jeito que, quando em Nampula nos reencontramos, eu já a conhecia, fazia tempos; e ela com a mesma naturalidade de velhos conhecidos, recebeu-me. Lembraste, quando fui puxar-te as orelhas, no periodo em que a paixão deixada na maravilhosa baía, perturbava o curso normal da aprendizagem, e tu no dilema; a obrigação de continuar e a vontade de apartar, para o arrimo em outros idílios. Venceu a prudência e a visão do futuro. Eu recordo-me! Recordo-me, quando tu solidário me trazias aquele leite da Protal, onde estagiavas Contabilidade por obrigação curricular, leite esse que supriu as minhas necessidades protéicas e outras, naqueles carenciados tempos primícios da nossa História. Lembro-me de ti solidário, no testemunho arriscado daquilo que chamaste o descer supersónico das escadas do prédio Macau, por conta de diabruras pouco recomendáveis, e tu lá em baixo a minha espera, para o que desse e viesse. Os provérbios e ditados que eu citava por conta de meu pai e tu registando indelevelmente na memória, e a espaços, ias refereciando à propósito. Dos Criadores, as nossas investidas de estudantes esfomeados às yogurdadas empanturrantes. Os nossos estudos colectivos em que percorríamos a madrugada com as sebentas as costas, calcorreando, linha a linha, os ditames professorais ou dos compêndios, desvirginando ignorâncias, arqueolojando técnicas. Marcou-me; a tua intensidade pueril, o riso autêntico; o chorar desavergonhado, quando algum precalço te atingia; o desabafar, quando desabavas nos confrontos da vida. Quantas vezes fizeste de mim o teu confessionário?! Não foram poucas as vezes que soubeste fragilmente dizer obrigado, por algum gesto, que por um ou outro motivo te tocasse, desmentindo categoricamente que aquela era a palavra mais difícil de dizer. Sobretudo, o que me marcou, e marcou-te também, disso pude dar-me conta, foram as nossas conversas, intermeiadas com os nossos risos peculiares, tu à meio tom, eu com a minha escandalosa gargalhada. No todo homem que hoje sou, tem um pouco de ti, aquele pouco fundamental e estruturante. Houve coisas que pretendíamos levar a efeito em conjunto, não as conseguimos realizar, não obstante o plano; mas a vida tem destas coisas. Tu, meu amigo, e amigos tenho-os poucos, foste tão inadvertidamente, que até me legaste um. Foste; contudo vou continuar a falar de ti, como sempre te esculpi: aquele amigo louco, com algumas lunares variações comportamentais, mas autêntico, avesso as luzes da ribalta, na sua um tanto alergia ao protagonismo, frontal, filosófico, quando a verve lhe vinha a espinha, temperamental é verdade, mas acima de tudo verdadeiro. Já tenho saudades tuas.

Que Deus te tenha, e o meu até lá, quando nos reencontrarmos, quiçá em alguma galáxia, para retomarmos as anedotas, e os nossos insólitos e inusitados da terra. O meu abraço ao Zeca, que certamente o encontrarás, e diz-lhe que guardo aquela foto última tirada no seu quintal em Nampula, onde revisitamos peripécias académicas e os nossos titubeantes passos laborais. Entrementes, fico por aqui a carpir a minha saudade, fazendo-me falta os nossos espaçados encontros, todavia importantes, para firmar a amizade que nutrimos sem alarde, com a consciência de que cada um de nós não era perfeito, e que esses defeitos solidificavam a relação que se queria imperfeita, porém verdadeira.


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PS:
A despedida é sempre triste. Mais triste quando sabemos à partida, que ela é definitiva. Somado a estes factores referenciados, punge a alma, quando se trata de um amigo, não obstante o conhecimento de que ninguém fica para semente, e sobretudo quando parte para a eternidade. Neste caso, um amigo com o qual se  privou momentos marcantes da juventudade académica, e com o qual se viveu momentos que marcaram. Dói, com tal intensidade, que necessita de catarse.