por Lo-Chi
Na senda das histórias ligadas aos nossos médicos
primeiros, no sentido de naturalizá-los, aqui estou. Poucos são os que assumem
a realidade incontornável de mais dias menos dias, termos, por razões diversas,
de ir aos nossos curandeiros. Nas sociedades africanas actuais, como resultando
do nosso processo histórico e na sequência do complexo que adquirimos, através
do efeito colonial, tudo que é nosso, é baixo, é inferior, é buçal, está fora
do conceito civilização. A tendência é de renegar a nossa vivência, a nossa
espiritualidade primeira. Cumprimos os nossos ritos, sempre com uma espécie de
vergonha e clandestinidade. Ainda temos vergonha da nossa nudez. A nossa
descolonização mental ainda está longe de acontecer completamente.
Estando em Nampula trabalhando, acabei reencontrando-me
com um amigo de infância, o Giovane Casuarina, que segundo o seu destino,
acabou fazendo medicina, estando na altura estagiando, bastante adiantado, para
a especialidade de cirurgia. Recordo-me, que umas das vezes, ele foi-se aos
arames, porque um médico tradicional foi ter com ele e chamou-o de colega. E
ele, com toda propriedade, foi argumentando que era um autêntico atrevimento, o
sujeito ter reclamado paridade profissional; ele que investira anos à fio nos
seus estudos, suportando professores e toda a sorte de privações e sacrifícios,
para ser homonimado por alguém, que nem na escola secundária estivera, e nem
tinha a mesma competência. A verdade porém, é que as agruras do destino,
levaram-no a uma situação complicada, com sinais de desespero: cai doente.
Doença que se prolonga, interditando-o de fazer suas operações. Fez todo o tipo
de consultas, análises e testes. Irremediavelmente, estava parqueado nas boxes,
avariado: avaria grossa. Os remédios não lhe faziam o devido efeito. Conclusão,
já todos nós sabemos: ir ao curandeiro. Depois de alguma resistência, que não
era resistência, mas uma simulação de coerência, acabou no óbvio. Acedeu, ou,
verdade seja dita, suplicou. O perito foi chamado à casa. Coincide com uma das
minhas visitas. Quando entro, como era comum, com o à vontade da nossa longa
amizade, vou-me fazendo, sem permissão especial, mas diferentemente, sinto no
ar um embaraço, uma autêntica súplica de indefinível, mas o inevitável deu-se.
Quando chego ao quarto, dou de caras com o especialista, que estava dando as
recomendações finais ao seu paciente, que com ar confrangedor, (do jeito de
alguém que é apanhado a limpar o salão com o indicador) quanto submisso, ia
assimilando atento a prescrição, com as raízes denunciadoras, como arma do
crime, na mão. Verdadeiramente com a boca na botija. E que botija. Quando
aquele sai, para conferir naturalidade a situação, mas piorando o embaraço, sem
querer, perguntei desastrado: o quê que
o teu colega prescreveu-te? Essa doeu-lhe, tanto quanto acertarmos com a canela
na aresta da cama.
Não há uma sem duas. Sendo, há outra, de um sujeito, de
nome próprio Inhassunge Fardado, ocupando um alto cargo no governo central, e
como tal, sempre solicitado por inerência de funções, para cocktails, jantares
e afins. E como era de bom tom e mandam as regras protocolares, sempre no seu
fato. Nesse dia, de forte calor e uma estranha humidade, estavam num jantar,
que se prolongou após a saída do boss máximo, no à vontade, e pelo aperto do
calor atmosférico, acrescido com o calor do álcool já consumido, todo mundo foi
tirando o casaco. E no embalo, o nosso dirigente, esquecido do seu particular,
que não era tão particular assim, segue o exemplo dos demais e desmonta o seu.
Qual é o espanto? – que não era, e nem deveria ser espanto. No seu braço
direito, tinha uma braçadeira vermelha com um txitdjumbo(*) preto. E ele só dá
por ela, num momento irreversível, quando todo o mundo, uns estupefactos e
outros curiosos, olhavam para a sua braçadeira de capitão. Alguém, muito
próximo e sarcástico, perguntou-lhe em que equipa jogava, e ele todo pálido,
vermelho não podia, era preto e preto não fica vermelho, sem jeito, titubeia com
péssima dicção, (com o mal-estar de quem é apanhado a roubar em flagrante) que
era um problema de uma dor muscular que o sujeitava à tão incomoda braçadeira.
Mas com txidjumbo? Dava para perguntar. Mas o sentido de conivência, pôs os
que sabiam, num desconcertante silêncio. Silêncio mais embaraçante que a
pergunta abortada.
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(*)Txidjumbo, amuleto que os curandeiros dão ao desafortunado, de modo a
defendê-lo de todo mau olhando, bem como conferir-lhe sorte, no trabalho, nas
mulheres, na saúde, etc., etc..
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