por Lo-Chi
Não; não tem haver com aquele programa da Rádio
Moçambique. Aqui vamos procurar a lógica ou ilógica do sentido da palavra, no
caso, coitadinho. Na minha juventude tinha um amigo, cuja graça era Sozinho
Acompanhado, que pura e simplesmente abominava a palavra coitado. Coitadinho
menos ainda. Quisesses, o chamasses de desafortunado, azarado, infeliz, aí não
havia problema nenhum. E nós nunca o compreendemos. Contudo a aversão ao sufixo
inho do coitadinho, a partida inimaginável, já que o seu nome tinha esse
sufixo, eu compreendia, posto que ele é ambivalente na significação, já porque
algumas vezes serve para manifestar carinho, afecto, bem como outras vezes
serve para indicar desprezo, diminuição de qualidade. Sendo, compreendia a
lógica do meu amigo, de não querer ouvir ser chamado de coitadinho, correndo o
risco de estar a ser diminuido. E já que estamos com a mão na massa, vamos
esmiuçar a palavra coitado que é o objecto desta nossa conversa.
Coitado, tem a sua derivação da palavra coito, que
significa cópula, cujo significado é relação sexual, isso para
reduzirmos a quinhenta e ficarmos todos sem dúvida nenhuma, e no mesmo patamar
de entendimento. Vamos funcionar no processo com aquelas duas palavras: coito e
cópula. O substantivo cópula originou o verbo, copular, acto de cópula.
Logicamente que o substantivo coito tinha que, nessa linha, dar o verbo coitar,
que teria que ter o mesmo significado, e do verbo na sua conjugação, lógica e
paralelamente, já que o verbo copular deriva o particípio passado copulado,
o coitar vai dar ao particípio passado coitado. Foi aqui onde comecei a
entender o meu estimado amigo Sozinho Acompanhado. Porém, aqui estamos em
termos de lógica. Como o português muitas vezes está destituido de lógica, lá
fui aferir as minhas conclusões ao dicionário*; resultado: confirmadíssimo!
Cópula, dá origem ao verbo copular que significa relações sexuais. Porém o
substantivo coito fica sem verbo, ou melhor o verbo coitar, acaba
diferentemente do copular, tendo um significado quase que antónimo da lógica,
significando, proibir o ingresso numa propriedade, vedar; quando o coito necessariamente
implica intrusão, acesso; e quando verbo transitivo, é-lhe arbitrado o
significado de, molestar. Que raio de absurdo! Foi a minha
primeira reação. Mais calmo e menos surpreso, indo a idiossincrassia dos
portugueses, fiquei com a impressão que o linguista, na hora h, sofreu de um
espasmo de pudor, típico, em determinados ambientes, e de repente não foi capaz
de chamar as coisas pelo próprio nome, ficando influenciado por aquela prática
frustrante, de que a relação sexual, traz consigo, na vez do prazer, dor;
deveria estar a imaginar uma mulher sofrendo de vaginismo, ou provavelmente, as
reminiscências da infância reprimida acabaram determinando. Lembram-se decerto
quando crianças, das vezes em que nos diziam que tinha dentes. Porém, isso é
matéria para outro fórum, dos discípulos de Freud em companhia. No entretempo,
continuei na minha senda, fui encontrar como significado do termo coitado; infeliz, miserável, (pleb), aquele
que foi traido pela esposa.
Aí percebi melhor ainda o Sozinho Acompanhado. Mas o ter percebido ou
encontrado as causas da sua aversão ao termo, não me satisfazia. Porque,
segundo o dicionário, conferiu-se significado de coitadinho; marido a quem a mulher engana. No caso, não era o coitado, na origem etimológica ou
se quisermos, lógica do termo, já que esse marido não participou no coito. Os
coitados foram, sujeitos activos, ou sendo, a mulher e o transfuga. Onde é que
ele, o marido, entra para ser coitado? Dúvida legítima. Mais ainda, o coito é
uma acção recíproca, actividade de dois; mas há uma errada tendência de se
conferir ao macho ou homem, a autoria do acto; quiçá por uma indução anatómica.
Verdade porém, é um acto de reciprocidade: de intrusão recíproca, de prazer
recíproco. A minha experiência, assim me dita. Por isso, não há um coitado, há
pares que se coitaram: há coitados. Fiquemos claros; e aí dou razão ao Sozinho
Acompanhado, meu prestimoso amigo. Coitado nem pensar, menos ainda coitadinho!
Coitado, dizia ele, fui uma vez, quando me deram o nome de Sozinho Acompanhado!
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Nota do autor: para aqueles mais duros da cabeça, ou preferindo aquele termo da periferia
social, podem introduzi-lo no lugar de coitar. Não fico zangado por isso.
* Dicionário da Língua Portuguesa por J. Almeida e
Costa e A. Sampaio e Melo-Porto editora 5ª.edição