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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Chove

Por: LO-Chi

Chove.

Oiço atentamente a música que a chuva produz, quando de encontro ao pavimento ou as pedras da calçada. E nessa audição recordo o som que essas gotas de prata produzem, em plena cobertura de zinco ou de colmo. É um lamento feito de nostalgias, cheias de claves pungentes, lâminas dilacerando o nosso ser receptivo a essa música, composta de notas dolentes que só elas podem fazer semelhante sonata, que abreviava as minhas horas de vigília, naquele magnífico bairro da minha infância.

E nessa infância despreocupada e cheia de alegria infantil, eu e os amigos, cantávamos, num ritmo sem compasso, uma música que nos enleava. Cantávamos nos dias de chuva , porque sabíamo-la construtora de piscinas, feitas em ventres dilacerados da terra, que eram o cadinho desse metal friamente liquefeito, cujo aprisionamento, proporcionava-nos largas braçadas. Por isso, debaixo da chuva, cantávamos a presente e a futura alegria. Contudo, era uma alegria cortada de vincados receios de sermos admoestados pelo banho no chuveiro das grandes alturas, ou nas futuras e vindouras piscinas.


Chove. Passeamos no carro; deitados na cama; vemos lágrimas torrenciais deslizando nos vidros das janelas. É um bem-estar inefável, um arrepio, uma mutação que sentimos nas nossas fibras. Quando a chuva acontece, sentimos uma sensação de paz e calma, mas há sempre um ínfimo quê que nos deprime, pois que todo o doce fremer das nossas fibras, vem mesclado de um certo átomo de melancolia, as vezes até de solidão, mesmo que com alguém ao lado. A chuva banha sempre, o ambiente duma imponderável tristeza ou de uma nostálgica alegria. Talvez porque ela transporta-nos às suas origens, os altos céus, e timbra-nos com aquela leveza própria das alturas, e aquela nostalgia que só o cinzento em que o céu se encontra banhado é capaz de simbolizar. E a nostalgia é  própria da solidão.

Chove. E com todos esses pensamentos pego em mim e ando debaixo dessas lágrimas que me dão a fresca ilusão de magnitude e posse. Passeio pelas ruas, deambulo pela marginal, e como um sonâmbulo, noto que tudo é imobilidade, indo até a natureza que se mantém estática, apreciando o fenómeno

Só, como um fantasma, vejo a ausência de pessoas, o que me traz nesta solidão a impressão de que tudo é meu.

A chuva traz conforto, paz e harmonia, mesmo assim melancolia. E nessa poalha de consternação, continuo sacrílego, violando a imobilidade, deambulando pelas ruas; e cheio de frémitos arrepios e com eles uma emoção indescritível de ver correr fiozinhos de água. Paro; e aprecio embebido numa mística atenção, a queda livre dessas gotas cristalizadas. E enquanto gozo esta sublimação a pureza que contenho e  a nódoa que continha, perplexo noto na raiz do nariz uma partícula de água…. Chuva ou lágrima? Uma lágrima não! Não, porque não choro. E convenço-me. Mas porquê tanta veemência- pergunto-me – em não chorar, se chorar é a liberdade de viver uma forte emoção.


A chuva é triste! A chuva é triste porque é o choro do céu em exuberantes lágrimas que trazem a marca dos olhos repletos de mágoas liquefeitas. Chove, sentimo-nos aliviados porque com o céu, sofremos uma descarga psíquica das cargas emotivas que contemos num púdico preconceito de que o homem não chora.

Chove. Sentimo-nos comedidamente expansivos, porque choramos e as nossas “lágrimas se confudem com os pingos dessa chuva”